Ron DeSantis usa furacão na Flórida para se confirmar como herdeiro e rival de Trump

Governador que concorre à reeleição busca projeção com tragédia após série de controvérsias

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Washington

Foi necessário um furacão para que se sentassem à mesa de forma amistosa o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o governador da Flórida, Ron DeSantis, como ocorreu na última quarta-feira (5).

A cena parecia improvável para quem acompanha a estridente trajetória política do governador republicano, principal herdeiro das ideias de Donald Trump e que tem levado a cartilha do ex-presidente ao extremo, ao bradar contra a imprensa, políticas de imigração, medidas restritivas para conter a Covid-19 e contra o próprio Biden.

Mas a tragédia do furacão Ian, o mais mortal do estado em quase um século, com ao menos 119 vítimas, distensionou ao menos de forma momentânea o clima político nessa porção da costa sudeste do país. Houve quem dissesse que a tragédia fez com que o governador agisse como um "político normal", dando entrevistas a jornalistas e fazendo reuniões com o presidente e sua equipe.

Democratas ainda o cutucaram por ter de lidar com um impacto extremo e direto da crise climática depois de ter demonstrado oposição a investimentos estaduais na área ambiental.

O presidente Joe Biden e o governador da Flórida, Ron DeSantis, conversam com agentes que atuaram no resgate de vítimas do furacão Ian - Olivier Douliery - 5.out.22/AFP

Deputado pela Flórida entre 2013 e 2018, DeSantis, 44, está na reta final da campanha de sua recondução ao governo estadual. O pleito ocorre daqui a um mês, em 8 de novembro, nas chamadas midterms, as eleições de meio de mandato nos EUA, que renovam também a Câmara e parte do Senado.

É nesse contexto que ele enfrenta o primeiro furacão no estado desde que assumiu, no começo de 2019. O republicano calçou as botas e visitou os escombros de locais atingidos, sabendo que momentos trágicos como esse costumam alavancar líderes que respondem de maneira firme —exemplo recente, guardadas as devidas proporções, é o do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski.

O republicano DeSantis tem hoje 53,6% das intenções de voto, segundo o agregador de pesquisas do site FiveThirtyEight, enquanto Charlie Crist alcança 44,2%. O candidato democrata foi governador do estado também pelo Partido Republicano entre 2007 e 2011 —ele diz que mudou de lado porque viu a legenda ser sequestrada pela ultradireita.

A margem pode não parecer grande, mas a resiliência de DeSantis nesse patamar desde as primeiras pesquisas lhe dá 93% de chances de vencer a corrida, de acordo com as contas do FiveThirtyEight.

O governador conquistou popularidade às custas de muita controvérsia. A mais recente delas foi levar ao paroxismo um movimento de republicanos contra a migração irregular. No mês passado, ele fretou aviões para enviar 48 imigrantes à luxuosa e bucólica ilha de Martha’s Vineyard, em Massachusetts —sem que eles sequer soubessem aonde iam.

A tática de governadores republicanos de estados na fronteira com o México é de enviar ônibus com imigrantes para regiões distantes e chefiadas por democratas, a exemplo de Washington e Nova York, como forma de pressão política. DeSantis dobrou a aposta com o caso dos 48 venezuelanos, que estavam em San Antonio, no Texas, a mais de 1.000 quilômetros da Flórida e a 3.400 de Massachusetts; a justificativa dele foi de se adiantar, já que, por essa versão, muitos teriam a Flórida como destino final.

O governador ainda afirmou que enviaria mais aviões

DeSantis também foi criticado por sua gestão da pandemia, ao ir contra a obrigatoriedade do uso de máscaras e da vacinação. Em um dos momentos de maior repercussão, em março, dirigiu-se de forma irritada a um grupo de estudantes que usavam o item de proteção no rosto. "Por favor, tirem isso. Honestamente, não serve de nada, temos que parar com esse teatro da Covid. Se vocês querem usar, tudo bem, mas é ridículo", afirmou.

A irritação vem do fato que DeSantis conseguiu transformar a Flórida em uma espécie de refúgio durante a crise sanitária para pessoas de todo o país que começaram a trabalhar de forma online e se mudaram ao estado em busca de uma vida "normal".

Outra controvérsia recente foi a suspensão do procurador estadual Andrew Warren, filiado ao Partido Democrata e tido como "progressista demais" —a Flórida tem eleições diretas para o cargo. A justificativa oficial do governador foi de que haveria negligência.

"O procurador tem o dever de processar crimes conforme definido pelas leis da Flórida, não escolher as leis que quer baseado em sua agenda pessoal", disse. O gesto foi comemorado por representantes da direita e pelo apresentador Tucker Carlson, da Fox News. Warren entrou na justiça contra o político para recuperar seu cargo.

Com esse jeito de governar, DeSantis passou a ser visto como uma espécie de sucessor natural de Trump e forte candidato às eleições presidenciais de 2024 —e, assim acabou se tornando rival do ex-presidente. Analistas avaliam que ele soube incorporar as ideias do Maga ("Make America Great Again", faça os EUA grandes novamente), lema de Trump que acabou se tornando um movimento político; é jovem, enquanto o ex-presidente terá 78 anos no próximo pleito; e não tem o mesmo desgaste em tantos segmentos do eleitorado.

As pesquisas internas apontam que o governador é hoje a principal ameaça a Trump em uma possível disputa pela indicação republicana nas próximas primárias, embora o ex-presidente ainda conserve larga vantagem. Em julho, Trump tinha 49% do apoio interno, contra 25% de DeSantis.

Com isso, cresceu a tensão entre os dois, e Trump passou a fazer comentários mais abertos sobre o rival. Em áudio revelado na última quarta (5), por exemplo, o ex-presidente afirmou à jornalista Maggie Habberman que é responsável pela vitória de DeSantis em 2018. "Ele veio até mim e disse: ‘Adoraria seu apoio’", contou. "Eu disse: ‘Ron, você tem 3% [de intenção de votos], você não pode ganhar’. Ele disse: ‘Se você me apoiar, eu posso’."

De fato, o republicano quase não venceu aquele pleito: ficou com apenas 0,4 ponto percentual de vantagem sobre o democrata Andrew Gillum. Agora, a disputa pela reeleição está mais fácil. Se mantiver os altos índices de popularidade (55%, segundo pesquisa divulgada na quarta), tem tudo para chegar a um cenário confortável em 2024.

Democratas reforçam pré-campanha em Wisconsin

A um mês das midterms, apoiadores do Partido Democrata reforçam a campanha em estados considerados chave para a composição da Câmara e do Senado —a mudança na maioria legislativa pode redefinir a governabilidade de Biden na parte final de seu mandato e dar força a Trump sobre o Partido Republicano.

Como parte da movimentação, atores das premiadas séries "The West Wing" e "Veep", sobre a política americana, se reunirão neste domingo (9) em um evento online com o objetivo arrecadar fundos para os democratas no estado de Wisconsin. A iniciativa foi anunciada nas redes sociais pelos atores Bradley Whitford e Julia Louis-Dreyfus.

"Em 2022, o caminho para salvar a democracia passa diretamente pelo meu estado natal, Wisconsin", disse Whitford, que interpretou o vice-chefe de gabinete da Casa Branca em "The West Wing". "Trump e os extremistas republicanos sabem que não podem reconquistar o Congresso ou a Casa Branca sem Wisconsin. E eles estão preparados para usar quaisquer truques sujos e dissimulados", completou Louis-Dreyfus, que interpreta a senadora que se torna vice-presidente e percebe que não está preparada para o cargo em "Veep".

Devem participar do encontro outros 11 atores, entre os quais Martin Sheen, Allison Janney e Tony Hale. O evento terá início às 21h (de Brasília).

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