Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

A lição de Trump para a imprensa e Ron DeSantis

Eleitores republicanos se dispõem a perdoar pecados de um candidato que trava guerra com a grande imprensa

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The New York Times

Pouco antes da primária republicana na Carolina do Sul em 2012, John King, da CNN, abriu um debate presidencial com uma pergunta a Newt Gingrich que ele provavelmente considerava difícil sobre a alegação de sua ex-esposa de que o ex-líder da Câmara havia no passado proposto um casamento aberto.

Em sua resposta, Gingrich revelou que se sentiu ofendido. Ele disse a King: "Acho que a natureza destrutiva, perversa, negativa de boa parte da imprensa faz com que seja mais difícil governar este país, mais difícil atrair pessoas decentes a se candidatar a cargos públicos, e fico chocado que você inicie um debate presidencial com um tópico como esse". Acrescentou ainda que converter a "dor pessoal" do divórcio "em uma pergunta significativa para uma campanha presidencial é desprezível".

O ex-presidente dos EUA Donald Trump - Spencer Platt - 27.abr.23/AFP

A plateia entrou em êxtase. Gingrich foi vitorioso na primária, superando de longe Mitt Romney, conhecido como bom marido e pai de família. E, embora sua campanha tenha falhado pouco depois, aquele momento foi um prenúncio de uma parte importante do fenômeno Donald Trump, ao provar que os eleitores republicanos se dispõem a perdoar inúmeros pecados —ou não acreditar na existência deles— em se tratando de um candidato que demonstra gosto por travar guerra com a grande imprensa.

Essa dinâmica explica a inutilidade da sabatina feita pela CNN com Trump, organizada basicamente como uma versão mais longa do confronto entre King e Gingrich. Os tópicos levantados por Kaitlan Collins incluíram muitos que teriam sido constrangedores para Trump, fosse ele capaz de se sentir constrangido: escândalos pessoais, mentiras eleitorais etc. Mas, com uma plateia ansiosa por tomar o partido dele contra a imprensa, foi fácil para Trump passar por cima das tentativas da moderadora de fazê-lo se envergonhar e de seus esforços frenéticos para checar em tempo real a veracidade do que ele dizia.

Dois grupos podem aprender algo com a experiência: primeiro, produtores e executivos de televisão que estiverem pensando em como conduzir entrevistas e debates com Trump; segundo, candidatos republicanos rivais interessados em visualizar um caminho para derrotá-lo.

O que os profissionais de TV precisam aprender é que eles têm duas escolhas para lidar com outra campanha de Trump nas primárias. Podem seguir o caminho do tipo "esta é uma emergência", recomendado por alguns críticos na imprensa e autores de textos contra Trump: não dar uma plataforma a ele, não tratar sua campanha como algo normal, não deixá-lo falar na TV ao vivo e cobri-lo apenas dentro de uma estrutura previamente definida que enfatize constantemente suas tendências autoritárias e suas tentativas de subverter a eleição passada. Não creio que essa opção seja prudente ou viável, mas ela ao menos possui uma coerência moral que falta à abordagem que vimos ser usada em 2016, do tipo "a democracia corre perigo, ligue a TV esta noite para passar uma hora com o demagogo!".

Outra alternativa é a seguinte: se a imprensa pretende fazer entrevistas e debates como normalmente faz, então quando se prepara para elas precisa pensar um pouco mais como eleitores republicanos, não como jornalistas de centro-esquerda. Não quero dizer que ela deva adotar uma atitude servil em relação ao ex-presidente, mas deve preparar o tipo de perguntas que um americano de tendência direitista e propenso a não gostar da imprensa possa realmente achar esclarecedoras.

Isso significa em parte, como sugere Ramesh Ponnuru, questionar o histórico presidencial de Trump em termos conservadores, não liberais —perguntando, por exemplo, sobre o fato de ele não ter concluído a construção do muro na fronteira ou sobre o aumento da criminalidade no último ano de sua gestão.

Quer dizer, como escreve Erick Erickson: colocar perguntas evidentes que decorrem de sua narrativa da eleição roubada em vez de simplesmente atacar essa narrativa frontalmente. Por exemplo: se os democratas realmente roubaram a eleição, por que sua administração, o secretário de Justiça que o senhor escolheu e os juízes que o senhor nomeou basicamente deixaram que o fizessem?

A utilidade dessa última linha de questionamento é algo que os rivais potenciais de Trump, especialmente Ron DeSantis, podem tirar da experiência da sabatina na CNN: se a mídia não desafiar Trump com esse tipo de pergunta que agrada a conservadores, eles podem fazê-lo. Mas a lição mais básica a ser aprendida pelos republicanos após assistir à sabatina de Trump é a importância, para qualquer possível sucessor de Trump, de demonstrar que também ele ou ela é capaz de discutir com a grande imprensa e sair ganhando.

Essa é a base da estratégia presidencial de Vivek Ramaswamy que o elevou para níveis de apoio quase comparáveis aos de Mike Pence nas pesquisas às primárias, graças em parte à disposição para discutir com Chuck Todd ou Don Lemon, não só de ficar reiterando posições no programa de Sean Hannity.

Mas é o oposto do método de DeSantis, que tem sido de rejeitar a mídia convencional inequivocamente (acompanhado de um pouco de zombaria de seus amigos e aliados no Twitter). Essa postura é OK para um governador de um Estado de viés direitista que está tentando realizar coisas em nível estadual e construir apoios com ativistas conservadores. Mas não é o que os eleitores republicanos parecem querer de seus candidatos nacionais. Eles querem o show, a batalha, o drama. E não há como derrotar os progressistas se você nem sequer ouve as perguntas deles.

Tradução de Clara Allain

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