Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

Tucker Carlson angariou público jovem ao rejeitar establishment político na TV dos EUA

Apresentador conduzia programa mais à direita no noticiário, mas às vezes também o mais à esquerda

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The New York Times

Durante a Presidência de Donald Trump e imediatamente depois, falou-se muito sobre realinhamento. Todos podiam ver que a coalizão republicana estava se tornando mais operária, e a coalizão democrata, mais dominada por profissionais da classe alta.

A questão era se essa mudança transformaria fundamentalmente os compromissos políticos de ambos os partidos, ao longo das linhas sugeridas pela campanha populista de Trump em 2016, ou se republicanos e democratas voltariam às suas posturas pré-Trump assim que ele deixasse a Casa Branca.

Essa pergunta ainda não foi totalmente respondida. De certos ângulos, os partidos parecem remodelados por suas coalizões em transformação; de outros, qualquer realinhamento profundo parece natimorto. Os guerreiros culturais são agora mais influentes do que os guerreiros classistas da esquerda, mas os democratas ainda são redistribucionistas. A direita é mais protetora do Medicare e da Seguridade Social do que era em 2012, mas os republicanos na Câmara ainda fingem ser cortadores de gastos do governo.


Tucker Carlson em evento da Fox em novembro do ano passado
Tucker Carlson em evento da Fox em novembro do ano passado - Jason Koerner - 17.nov.22/Getty Images/AFP

Se você olhar para a vida cultural e intelectual, em vez de políticas e coalizões, entretanto, poderá ver um realinhamento mais coerente. Esta é uma transformação de mentalidade tanto quanto de substância: a direita mais nova (e mais jovem) é definida por uma política de suspeição –desconfiança de todas as instituições; conforto com formas externas de conhecimento e teorias conspiratórias; hostilidade contra porta-vozes oficiais e alianças corporativo-governamentais; ceticismo sobre o império americano e pessimismo sobre o futuro americano. Isso costumava ser um território muito mais da esquerda.

E, durante seis anos, até sua súbita demissão nesta semana, o horário nobre de Tucker Carlson na Fox foi o lugar para se assistir a essa transformação ocorrendo.

A chave mestra para entender a programação de Carlson não era ideologia; era suspeição. Ele tinha sido o tipo confiável de analista de notícias a cabo –o partidário alegre, o republicano do programa "Crossfire", o provedor de pontos de debate (mesmo que os oferecesse com um pouco mais de ironia do que a maioria).

Então algo mudou –depois da Guerra do Iraque, depois que Jon Stewart ajudou a matar "Crossfire", ele gradualmente se desiludiu, radicalizou. Podia-se ver isso antes de seu programa na Fox News aparecer, na maneira como ele escreveu sobre Trump em 2016, e depois na forma como dirigia seu programa.

As pessoas diziam que era falso, o garoto rico de gravata-borboleta perseguindo o público populista, e com certeza havia um pouco da captura de audiência que aflige quase todo mundo no jogo do analista. Foi assim que Carlson acabou tratando a mania de fraude eleitoral da direita com luvas de pelica, não dando o endosso que alguns outros apresentadores deram, mas concedendo-lhe, contra a sua opinião particular, uma forma cara (para a Fox News) de respeito imerecido.

Mas Carlson não era como figuras de direita –um Mark Levin, digamos– que se renderam ao trumpismo com relutância, porque era para lá que seus ouvintes queriam que fossem. Era um trumpista na medida em que Trump fosse para onde ele próprio estava indo –a uma rejeição a tudo o que o establishment político ocidental representava, uma extrema abertura em relação a tudo o que via como fora dos limites.

É por isso que seu programa era o mais à direita no noticiário da TV a cabo, mas às vezes também o mais à esquerda. Você poderia montar um conjunto de clipes de Carlson –abrangendo tudo, desde suas frequentes entrevistas com Glenn Greenwald até sua oposição bem-sucedida a um conflito dos EUA com o Irã em 2019 e em 2020– que o faria parecer um ativista antiguerra da era George W. Bush. Você poderia montar uma série semelhante em que ele tocou notas de esquerda sobre a economia.

Essas incursões não estavam em conflito com sua disposição a alimentar a paranoia da "Grande Substituição" da extrema direita sobre imigração ou fixar-se num possível papel do FBI em instigar o motim do 6 de Janeiro. Todos faziam parte da mesma hermenêutica: para qualquer ideia com um imprimátur do establishment, suspeita absoluta; para qualquer outsider ou cético, simpatia e confiança. Também não precisava ser político ou contemporâneo. O mistério dos óvnis? Ele estava lá para isso. O assassinato de Kennedy e a CIA? Ele tinha perguntas.

Tucker Carlson discute populismo e direita durante evento em Washington
Tucker Carlson discute populismo e direita durante evento em Washington - Chip Somodevilla - 29.mar.19/Getty Images América do Norte/AFP

Em uma entrevista recente ao podcast "Full Send", Carlson foi questionado sobre seu maior arrependimento. Ele disse: primeiro, apoiar e defender a Guerra do Iraque. E segundo, isto:

"… durante muito tempo, participei da cultura em que qualquer um que pense fora das faixas preestabelecidas é um louco, um 'teórico da conspiração'. E realmente me arrependo disso. Tenho vergonha de ter feito isso. Em parte, foi a idade e o mundo onde cresci. Então, quando você olha para mim e diz: 'Sim, claro que [a mídia] faz parte dos meios de controle'. Isso é óbvio para você porque você tem 28 anos, mas eu simplesmente não via isso –de jeito nenhum. E me envergonho disso."

Sempre houve versões conservadoras desse tipo de suspeição. O famoso ensaio de Richard Hofstadter "O estilo paranoico na política americana" foi dirigido à direita. Mas, durante muito tempo após a década de 1960, a versão mais influente de suspeição foi a da esquerda. Foram os hippies. Não confie em ninguém com mais de 30 anos. Foi Noam Chomsky. Foi Oliver Stone. Foi Michael Moore.

O jovem reaganista ou o admirador de George W. Bush certamente acreditavam que a mídia era liberal e que a Ivy League não era confiável. Mas ele ou ela acreditava na CIA e na Otan, na General Motors e em Wall Street, na Coca-Cola, na Associação Médica Americana e no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA.

Não é assim para os conservadores que atingiram a maioridade após a Guerra do Iraque, da crise de 2008 e do Grande Despertar. Afastados de mais instituições americanas do que seus antecessores, olhando para um histórico de fracasso da elite e uma paisagem social onde parece haver pouco a conservar, eles cada vez mais começam onde Carlson terminou –numa postura de desconfiança reflexiva em que se uma importante instituição americana se posiciona, o lugar para se estar é provavelmente do outro lado.

É por isso que Carlson, mais que outros apresentadores de notícias a cabo, encontrou um público mais jovem para complementar a base de "baby boomers" que (por enquanto) mantém a empresa Fox News no mercado, colocando os muito velhos em contato com os muito online.

A base subjacente de boomers ainda é sólida o suficiente (por mais algum tempo, ao menos) para que um sucessor provavelmente se saia bem na audiência, e qualquer empreendimento subsequente de Carlson, em qualquer plataforma, não atrairá o tipo de público disponível às 20h no império de Rupert Murdoch.

Mas é improvável que o sucessor de Carlson incorpore o realinhamento cultural tão plenamente, ou revele tanto sobre o futuro alienado do conservadorismo americano quanto o homem que acaba de deixar a Fox.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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