Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Enfraquecimento de DeSantis produz déjà vu das eleições de 2016 nos EUA

Há uma mentalidade que já declarou a vitória de Trump, tendência que ajudou a elegê-lo no passado

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The New York Times

Mais ou menos quando Donald Trump anunciou sua campanha presidencial, falou-se muito na ideia de que republicanos anti-Trump estariam prestes a repetir as falhas de 2016: deixar de enfrentar Trump diretamente e permitir que ele avançasse até a candidatura republicana sem ser contestado.

Essa interpretação parecia equivocada por dois motivos. Primeiro porque, diferentemente de 2016, os republicanos anti-Trump tinham uma opção alternativa popular e singular na pessoa do governador da Flórida, Ron DeSantis, cujos números nas pesquisas eram competitivos com os de Trump e estavam muito à frente dos de qualquer outro rival. Em segundo lugar porque, diferentemente de 2016, a maioria dos eleitores das primárias republicanas já apoiou Trump em duas eleições nacionais, fato que os torna alvos inapropriados das críticas sobre a inadequação do empresário para exercer a Presidência.

Donald Trump, ex-presidente dos EUA, joga golfe na costa oeste da Escócia - Andy Buchanan - 2.mai.23/AFP

Juntem-se essas duas realidades, e o caminho anti-Trump parecia claro: unir-se em torno de DeSantis desde o começo, basear a plataforma deste na fadiga dos eleitores com Trump e torcer para o ex-presidente desaparecer de cena aos poucos, sem sofrer um nocaute dramático.

Mas tenho que admitir que ver DeSantis perder espaço nas pesquisas –e ver a reação republicana e da mídia a essa perda de espaço— está me levando a ter flashbacks de 2016. Sete anos depois, está claro que muitas das dinâmicas que levaram Trump a se tornar o candidato republicano continuam presentes.

Vamos enumerar algumas delas. Para começar, há os limites do rigor ideológico na campanha contra Trump. Esse é o argumento principal do meu colega Nate Cohn em sua avaliação das dificuldades recentes que DeSantis vem enfrentando, e é válido: o republicano passou os primeiros meses de 2023 acumulando vitórias legislativas para a ortodoxia oficial de direita, mas já vimos na campanha de Ted Cruz em 2016 os limites à correção ideológica. Há eleitores das primárias republicanos que vão votar levando um gabarito de posições conservadoras na cabeça, mas isso não é o bastante para ignorarem a atração exercida pela persona de Trump. Uma campanha contra Trump não vai avançar se seu argumento principal for a defesa do "conservadorismo verdadeiro 2.0".

Em segundo, há a falta de sintonia entre o conservadorismo cultural e a classe de doadores republicanos anti-Trump. Parte da vantagem de DeSantis hoje, comparado com a situação de Ted Cruz em 2016, é que ele tem agradado mais aos grandes doadores de seu partido. Mas muitos desses doadores não gostam realmente da guerra cultural. Eles concordam com o anti-"wokeness" genérico, mas odeiam as batalhas de DeSantis com a Disney e geralmente são a favor do direito ao aborto.

Assim, iniciativas sociais conservadoras que o governador da Flórida não pode se recusar a adotar, como assinar a lei que proíbe o aborto no estado após seis semanas de gestação, resultam em comentários de que seus potenciais doadores estariam pensando em fechar seus talões de cheques, com resmungos nítidos de "por que não podemos apostar em Nikki Haley ou Glenn Youngkin em vez de DeSantis?"

Isso nos conduz à terceira dinâmica que corre o risco de se repetir: o problema de coordenação do Partido Republicano, também conhecido como o engavetamento da Carolina do Sul. Você se lembra de como todos os rivais de Joe Biden de repente saíram de cena sem fazer alarde para barrar Bernie Sanders?

Lembra que nada de remotamente parecido aconteceu entre os republicanos em 2016? Bem, se você tem uma base de doadores anti-Trump insatisfeitos com DeSantis e dispostos a apostar em rivais cujas chances são pequenas, e se dois desses rivais, Nikki Haley e o senador Tim Scott, são da Carolina do Sul, um dos primeiros estados a realizar primárias, é fácil entender como eles podem se convencer a continuar na disputa pelo tempo suficiente para entregar a Trump de bandeja exatamente o tipo de vitória apertada que acabou por lhe conferir impulso irrefreável em 2016.

Mas a verdade é que uma certa mentalidade já declarou que nada mais segura Trump. Isso reflete outra tendência que ajudou a elegê-lo da primeira vez: o estranho fatalismo dos republicanos profissionais.

Em 2016, muitos deles passaram de "ele não vai conseguir ganhar" a "não há como brecá-lo", praticamente sem passar por qualquer etapa intermediária. Um mês acidentado para DeSantis já levou à manifestação desse mesmo espírito. Jonathan Martin, do Politico, citou em um texto um estrategista que teria dito, em tom de resignação: "Não teremos outra alternativa senão descer para o porão, esperar o tornado passar e voltar para a superfície quando estiver tudo acabado para reconstruir o bairro".

Em mais um fator que lembra 2016, influi sobre essa visão a ideia de que Trump não conseguirá vencer a eleição geral. Então, se o Partido Republicano simplesmente deixar que ele perca, finalmente se verá livre dele. É claro que essa ideia se mostrou totalmente equivocada antes e pode se mostrar equivocada novamente. Mesmo que não esteja equivocada, como podemos saber que ele não voltará em 2028?

Para concluir, a última dinâmica que se repete: a imprensa ainda quer Trump. Digo isso não para desculpar a possibilidade de os eleitores das primárias republicanas o escolherem —se o ex-presidente for nomeado candidato novamente, a despeito de todos seus pecados, a culpa será deles e de mais ninguém.

Mesmo assim, vendo a cobertura intensiva do enfraquecimento de DeSantis, enxergo um certo frisson na mídia, algo que sugere que, pelo menos ao nível semiconsciente, a imprensa mainstream realmente quer que Trump volte. Ela quer curtir o ibope do "Show de Trump"; quer ver o Partido Republicano sendo definido pelo trumpismo, enquanto ela própria se define como defensora da democracia.

Assim, os rivais de Trump terão que combater não apenas a energia do próprio Trump, mas também um impulso que já se manifestou: declarar a vitória de Trump antes de um único voto ter sido depositado.

Tradução de Clara Allain 

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