Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

'Succession' merece entrar no panteão da TV

Série mostra como escolhas de um homem podem negar redenção não só a si mesmo, mas a todas as vidas que ele gera

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The New York Times

Em uma coluna anterior, critiquei moderadamente "Succession" por superestimar o poder da elite em seu retrato da democracia americana. Hoje, venho elogiar a série —por um final perfeito e uma última temporada de sucesso que, juntos, elevaram o programa ao topo das séries de TV, os exemplos de maior sucesso da principal forma de arte popular da nossa época.

Esta talvez seja uma opinião polêmica, irritante para muitas pessoas incomodadas com os aspectos do fenômeno "Succession" e simplesmente equivocado se você considerar o show muito novelesco e muito obscuro para estar na mesma categoria de "The Wire", "Família Soprano", "Mad Men" ou "Breaking Bad".

Jeremy Strong em cena do último episódio de 'Succession'
Jeremy Strong em cena do último episódio de 'Succession' - Divulgação

Já que essa era mais ou menos a minha opinião no início da temporada final, deixe-me explicar por que mudei de ideia —primeiro enfatizando os pontos fortes distintos de "Succession" em relação a outros seriados de sucesso e, segundo, respondendo à crítica mais forte de suas limitações.

E deixe-me oferecer, também, um qualificador preventivo: minha opinião atual é que não há exatamente um nível superior de série de televisão; em vez disso, há "Os Sopranos" em seu próprio Olimpo, e o resto, "Succession" agora incluído, um pouco mais abaixo.

Primeiro, com sua última temporada completa, podemos dizer que "Succession" tem uma rara unidade dramática. Seu final e começo parecem organicamente conectados, seu final traz o arco de cada personagem para um destino apropriado, seus temas de controle são justificados e seus pequenos detalhes recompensam em grande estilo.

Seria uma conquista significativa para qualquer obra de arte, mas é especialmente incomum para programas de televisão, que mesmo no nível mais alto sofrem as vicissitudes de operar em uma mídia de esforço coletivo propensa a extensões excessivas e cancelamentos prematuros.

"Deadwood" não teve um final adequado. A parte final de "The Wire" estava repleta de implausibilidades. Os penúltimos episódios de "Breaking Bad" são a TV que mais inspira pena e terror a que já assisti, e o final parecia feito só para agradar os fãs. Quanto menos se falar sobre os finais de "Lost" e "Game of Thrones", melhor. Até "Os Sopranos" se arrastou um pouco em sua temporada final prolongada.

Mas, embora "Succession" tenha algumas subtramas desnecessárias e becos sem saída, seu arco completo parece extraordinariamente novelístico —como uma história planejada e concluída sem delongas ou compromissos desnecessários.

Em segundo lugar, apesar de seus temas trágicos, "Succession" foi escrito como uma comédia ácida de costumes. Nesse sentido, seus pares não eram apenas os famosos dramas de anti-heróis, mas programas igualmente bons e totalmente diferentes, incluindo "Girls" e "Silicon Valley", e igualava suas realizações cômicas —frase por frase— dentro de um mundo mais dramático, adulto e intensamente atuado.

Em terceiro lugar, "Succession" permitiu múltiplas leituras políticas e filosóficas de sua narrativa, além da simples leitura "Veja como crianças fracassadas e ricas possibilitam o fascismo" que muitos espectadores progressistas consideraram natural e, sem dúvida, alguns dos autores tinham em mente.

O programa não era um retrato totalmente realista da democracia americana ou da elite republicana ou conservadora. Mas se recusou a tornar seus elementos políticos centrais na trama; a eleição que brevemente pareceu tão grande basicamente desapareceu da ação final, com a sugestão passageira de que talvez a figura de ultradireita que a família Roy ajudou a promover seja derrotada nos tribunais.

Esse desaparecimento permite uma leitura do programa em que toda a elite ocidental está sendo pesada e julgada, não apenas os Roy. Além disso, a opinião da série sobre as elites pode ser lida de duas maneiras distintas, uma mais de esquerda e outra mais de direita. A avaliação de esquerda é uma condenação moralista de toda a classe capitalista, que, apesar das reclamações de alguns críticos, está claramente presente ao longo do programa, embora temperada por um cristianismo um pouco mais implícito (no sentido de que a riqueza leva ao poder e ao desespero, de que os ricos são retratados como cruéis e miseráveis) do que às vezes se vê nas polêmicas socialistas.

Então a contraleitura de direita é mais mundana e anticristã, mais darwinista ou nietzschiana. Ela combina elementos do elogio de Kendall Roy a seu pai, Logan, sua ênfase no falecido magnata como um grande modelador da realidade, um homem terrível, mas também incrivelmente criativo e fértil, com o julgamento brutal desse mesmo pai sobre a falta de seriedade de seus filhos e sua decisão de dar o trabalho de sua vida a estranhos que compartilham seu dinamismo, em vez de a seu DNA.

Essa leitura julga os personagens da série principalmente com base em suas ambições e capacidade de realizá-las, não suas intenções morais ou políticas. Se você não é um nietzschiano puro, a sobreposição entre essas duas leituras é uma zona bastante obscura, e isso aponta para o argumento mais forte para as limitações fundamentais do programa: se "Succession" está julgando os ricos por seus pecados ou admirando alguns deles por suas ambições, nunca deixa espaço para seus personagens desejarem nada além de competição e predação; nunca os mostra sentindo tipos comuns de esperança e amor ou, no caso, culpa e vergonha; nunca permite a possibilidade de uma humanidade plena e não atrofiada.

Essa crítica é parcialmente justa e que, junto com os pontos fortes que descrevi acima, há uma superficialidade selvagem em algumas das caracterizações de "Succession" que está abaixo do nível psicológico alcançado em outros dramas famosos da TV. Isso é mais verdadeiro no contraste com os personagens bons (ou ao menos meio bons) desses programas: não há equivalente em "Succession" ao heroico Hank de "Breaking Bad" ou mesmo à mais complexa Peggy Olson em "Mad Men", e sua ausência cria um viés contra a possibilidade de a bondade florescer em qualquer lugar do mundo da série.

E, enfim, o arco do protagonista do programa, a tragédia de Kendall Roy, o herdeiro aparente: a história dele inclui sua parcela de culpa palpável, em especial no colapso total da segunda temporada após seu momento Chappaquiddick, unido a uma agitação, a ambição desesperada de ser melhor que seu pai, se desconectar e separar ou então se estabelecer como um herói moral denunciando os pecados do pai.

No final, Logan, não Kendall, é o Tony Soprano ou Walter White da série, apenas mais adiante no arco da vida, com sua maldade mais fixa e seus poderes mundanos ampliados. E ao focar a trágica fraqueza do filho, em vez da trágica força do pai, "Succession" mostra como as escolhas fatídicas de um homem forte podem negar a redenção não só a si mesmo, mas a todas as vidas que gera e molda, a todos os que caem sob seu feitiço.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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