Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

Acerto de contas de papa Francisco é rachadura longa e instável na igreja

Sucessor do pontífice argentino herdará realidade em que qualquer política feita em Roma precisará de assistência divina

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The New York Times

Nos últimos anos, a governança do papa Francisco na Igreja Católica Romana parece ter sido projetada para afastar ainda mais as alas conservadora e liberal da igreja. Assim, a pergunta persistente que paira sobre seu pontificado: como ele vai manter tudo isso junto?

Ao abrir o debate sobre uma ampla gama de assuntos polêmicos sem fazer mudanças explícitas, ele encorajou os progressistas da igreja a empurrar os limites o máximo possível, até mesmo em direção a uma verdadeira rebelião doutrinária, na esperança de arrastá-lo junto. Ao mesmo tempo, ao favorecer os progressistas em suas decisões de pessoal e travar uma guerra institucional contra o legado de João Paulo 2º e Bento 16, ele empurrou os conservadores em direção a crise, paranoia e revolta.

Em ambos os casos, não está claro se a autoridade enfraquecida do papado pode trazer de volta qualquer grupo de rebeldes. Mas nas últimas semanas, vimos uma clara tentativa de usar essa autoridade, um verdadeiro teste da capacidade do papa de manter a igreja unida.

Papa Francisco em reunião no Vaticano
Papa Francisco em reunião no Vaticano - Tiziana Fabi - 30.nov.23/AFP

Por um lado, o papa Francisco agiu contra dois de seus críticos mais ferrenhos à direita: primeiro, ele removeu o bispo Joseph Strickland de sua diocese em Tyler, no Texas; agora ele retirou os privilégios do cardeal Raymond Burke no Vaticano, incluindo uma renda e um apartamento.

Ao mesmo tempo, o Vaticano tentou traçar uma linha clara contra os experimentos dos bispos alemães, a principal facção progressista, emitindo uma carta declarando que quaisquer reformas que os alemães contemplarem não podem mudar o ensinamento da igreja sobre o sacerdócio exclusivamente masculino e a imoralidade das relações homossexuais.

Em cada caso, temos um ato de disciplina aparentemente adaptado à forma como as rebeliões estão se manifestando. Entre conservadores e tradicionalistas, críticas específicas de bispos e cardeais proeminentes ao próprio papa agora encontraram punições pessoais específicas. Entre liberais e progressistas, uma ampla tentativa de liberalizar os ensinamentos morais da igreja agora encontrou uma repreensão doutrinária geral.

Mas em cada caso, deve-se ser cético de que a disciplina funcionará. Ambos os lados observarão, por exemplo, que criticar o papa resulta em demissão, mas a aparente desobediência doutrinária merece apenas uma carta firmemente redigida.

A menos que a última medida seja eventualmente respaldada por algo como a demissão de Strickland, é provável que os progressistas persistam na mesma linha que a igreja alemã já está seguindo, onde as práticas da igreja são simplesmente alteradas —por meio de bênçãos para casais gays, por exemplo— sem que Roma conceda permissão formal. A suposição é que, se a liberalização se tornar um fato concreto, eventualmente as leis da igreja terão que seguir —e quanto mais essa suposição estiver enraizada, mais difícil será para Roma evitar alguma ruptura eventual.

Enquanto isso, os católicos que admiram Strickland e Burke provavelmente serão confirmados mais profundamente em uma cultura de resistência conservadora, na qual remover um bispo de seu cargo no mundo real apenas aumenta sua influência potencial no magistério do catolicismo na internet.

A ideia de que um bispo ou cardeal poderia ser de alguma forma mais ortodoxo do que o Vaticano pareceria impossível para os conservadores da igreja há apenas alguns anos. Mas a crise geral de autoridade do mundo, mediada por escândalos e interrupções tecnológicas, agora se estende também pelo catolicismo conservador —uma rachadura longa e irregular que a liderança instável de Francisco abriu no que era anteriormente a base de apoio mais segura do papado.

No entanto, é um erro atribuir toda a culpa apenas a este papa. Ele agravou as divisões da igreja e aumentou a probabilidade de cisma, mas também expôs tendências fissiparosas que já estavam presentes desde o início.

Considere apenas uma importante diferença entre o catolicismo americano e alemão, as duas igrejas nacionais mais ricas e os principais campos conservador e progressista na guerra civil da igreja. Nos Estados Unidos, um relatório da Universidade Católica da América revelou recentemente que o padre teologicamente progressista está basicamente desaparecendo.

Padres ordenados na década de 1960 eram muito mais propensos a se considerarem progressistas do que teologicamente conservadores ou ortodoxos. Mas entre os padres ordenados nos últimos 20 anos, incluindo a era de Francisco, a maioria se considera conservadora ou muito conservadora, e a maioria dos demais se considera moderada —deixando a onda progressista do sacerdócio americano do século 21 parecendo mais uma marolinha.

Esta é a substituição geracional que os católicos conservadores há muito tempo previam que marginalizaria o catolicismo liberal. Mas então considere a Alemanha, onde o catolicismo não tem um grande número de padres conservadores ou progressistas surgindo; em vez disso, quase não há padres mais jovens. Houve apenas 48 novos seminaristas na Alemanha em 2022, para uma igreja que ainda atende a 21 milhões de católicos autodeclarados. Enquanto isso, os EUA, com seus 73 milhões de católicos, têm quase 3.000 seminaristas em formação —um número em declínio que indica escassez crescente, mas não a crise existencial enfrentada pela igreja alemã.

E essa crise existencial ajuda a explicar a intensidade da pressão pela liberalização e "protestantização", porque, para muitos líderes católicos alemães, essa parece ser a única maneira de sua igreja sobreviver —com o modelo tradicional, o modelo sacerdotal, tendo falhado diante de seus olhos.

Assim, um católico conservador nos EUA pode se sentir razoavelmente seguro quanto ao futuro da igreja sacramental —um futuro que a destituição de um bispo conservador por um papa mais liberal não pode plausivelmente interromper. Na Alemanha, por outro lado, o futuro que aparentemente não pode ser interrompido é de declínio acentuado e aumento da dominação por leigos com inclinações liberais: um novo papa poderia ser eleito amanhã e tentar impor uma maior ortodoxia dentro da igreja alemã, mas sem padres mais jovens que personifiquem essas crenças, o exercício poderia apenas expor ainda mais a fraqueza de Roma.

Presumivelmente, há na providência de Deus uma forma de administração papal que pode evitar um cisma ou separação entre as tendências católicas encarnadas na Alemanha e nos EUA —e em breve um novo papa pode ter a chance de tentar. Mas o que ele herdará não são apenas problemas específicos causados por seu antecessor, mas uma realidade subjacente de divisão que qualquer política feita em Roma precisará da assistência divina para resolver.

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