Os filhos do show business têm os mesmos problemas dos filhos dos anônimos e mais um —o da exposição pública. Quando seus pais brigam ou um deles morre, eles se veem indefesos e no olho de uma exploração mórbida. Exemplo terrível é o do garoto Pery Ribeiro e seu irmão menor, Bily, filhos de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, cantora e compositor famosíssimos, cuja separação em 1948 gerou insultos e acusações que eletrizaram o país. Gerou até uma guerra de sambas-canção cantados por vários intérpretes, inclusive Dalva.
A história dos dois meninos, despejados em internatos e sob pesado bullying dos colegas —“Com qual dos dois vocês estão?”, “É verdade que tua mãe é uma puta?” ou “Teu pai é mesmo um canalha, como o meu disse?”—, está no livro “Minhas Duas Estrelas”, de 2006, assinado por Pery e ainda não superado no gênero memória. “Bily e eu nos agarramos um ao outro”, escreveu ele. “Numa esperança infantil, sonhávamos com um milagre que desse fim àquilo”.
O recente “Elis e Eu”, o relato de João Marcello Bôscoli sobre os 11 anos e meio em que conviveu com sua mãe, Elis Regina, tem nuances parecidas. Nesse período, ele só ouviu de Elis o pior sobre seu pai, o jornalista e letrista Ronaldo Bôscoli, e foi mantido afastado dele. Mas, inesperadamente, Elis morreu, em 1981, e pareceu não haver espaço para João Marcello na família —um ex-padastro e dois irmãos— em que crescera. Exilado entre os parentes de sua mãe, nunca mais se sentiu em casa. “Morava dentro de mim, e ponto”, escreveu.
A reaproximação com seu pai também não foi fácil: “Filho, a intimidade virá com o tempo”, disse Ronaldo. “Me deixe te amar, me aceite como sou”. Mais fácil de pedir do que de acontecer. E havia as circunstâncias da morte de Elis, sabidas por todos. João Marcello, antes dos 12 anos, teve de fazer de si mesmo um adulto.
E fez. Seu livro é a prova.
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