Sandro Macedo

Formado em jornalismo, começou a escrever na Folha em 2001. Passou por diversas editorias no jornal e atualmente assina o blog Copo Cheio, sobre o cenário cervejeiro, e uma coluna em Esporte

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Jornalismo-sofrência nos Jogos poderia virar base para arrocha-romântico

Tudo bem arrancar um depoimento mais emocionante do sujeito-atleta, mas precisa desse exagero?

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“Momento é muito difícil, você precisa assimilar e retrabalhar, porque o novo ciclo olímpico vai começar já para Paris. Força, Altobeli. É o que posso te falar nesse momento. Vamos refletir e recomeçar, retrabalhar.”

A frase acima foi dita para Altobeli da Silva, brasileiro do atletismo eliminado na primeira bateria dos 3.000 m com obstáculos. Agora vem o quiz olímpico: quem você acha que proferiu as palavras de consolo? A) o técnico; B) o psicólogo do COB; C) um parente; D) o jornalista in loco; E) um corretor de viagens.

Por mais esdrúxulo que pareça, a resposta correta é a D: o jornalista no Estádio Olímpico, que falou com Altobeli logo após a eliminação e ouviu do atleta um longo desabafo, provocado pelo repórter, aliás. Não direi o nome do profissional, do SporTV, mas não voltei a vê-lo no atletismo. Talvez tenha sido duro demais para ele também.

Altobeli da Silva veste uniforme do Time Brasil e olha para o lado, com semblante chateado
Altobeli da Silva desabafa em entrevista após ser eliminado da disputa nos 3.000 m com obstáculos - Reprodução

Curioso foi ver o comentarista depois acabando com o choro do atleta. “Ele tem que entender que os outros atletas também treinam. Que sirva de lição. Mas isso não foi o determinante de hoje, se ele corresse um pouco mais forte ele poderia ter se classificado.” (Praticamente um “engole o choro”.)

Quem acompanha algumas horas de transmissão diária dos Jogos tem a impressão de que há uma aposta entre os jornalistas presentes em Tóquio: quem consegue arrancar uma lágrima do atleta mais rapidamente? —como, aliás, observou também o ombudsman da Folha em sua recente coluna.

Em muitos, muitos casos a primeira pergunta não é para abordar um erro técnico ou questionar o resultado, mas sim algo na linha: “O que você está sentindo?”. Até o tom da voz é diferente, mais baixo, reconfortante. Se não tivesse o distanciamento social, ia rolar uma mão no ombro, certeza.

Tudo bem que é natural tentar arrancar um depoimento mais sincero ou emocionante do sujeito-atleta. Mas precisa desse exagero? Sentimento não é a mesma coisa que sentimentalismo. E o que estão fazendo em muitos casos beira um jornalismo-sofrência.

Um bom compositor de arrocha-romântico poderia facilmente transformar a frase do jornalista em uma comovente letra: “3.000 Obstáculos para te Encontrar”, “As Barreiras até Paris” ou “Vamos Retrabalhar”.

Às vezes o repórter quase chora junto, como a moça que entrevistou Tamires depois da eliminação da seleção feminina de futebol. E não, não são todos assim. No mesmo SporTV, enquanto narrador e/ou comentaristas iam à loucura na transmissão, o jornalista ao lado da piscina trazia bons relatos e informação. Vale repetir: in-for-ma-ção.

Tem também a onda da câmera (não) escondida para “flagrar” a emoção do narrador no triunfo olímpico. Não sei quando isso começou, mas aparentemente viralizou com Sérgio Maurício (hoje na Band) flagrado genuinamente emocionado ao narrar uma conquista do judô em Londres-2012.

Em Tóquio, depois de toda conquista, tem o momento “acompanhe a reação do narrador e do comentarista”. Dá até para relevar a brincadeira com os comentaristas, nove entre dez são ex-atletas e praticamente lutam, chutam, sacam juntos.

Mas no caso do narrador vira meio mico, como Galvão Bueno, o de vida eterna, com o solo de Rebeca Andrade. Sem falar no azar da nação por Rebeca começar com “r”, só para Galvão matar a saudade do quarteto Rrrrronaldo, Rrrrrivaldo, Rrrrroberto Carlos e Rrrrrronaldinho Gaúcho. Vai, Rrrrreebeca.

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