Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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Auxílio Brasil não é ágil o suficiente para mitigar perdas recorrentes de renda

Aumento do benefício para R$ 600 pode amplificar ineficiência da distribuição de recursos para transferência de renda

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O governo conseguiu ampliar o valor do benefício do Auxílio Brasil para R$ 600 por família. A despeito de parecer evidente oportunismo eleitoral, essa é uma ótima notícia para os beneficiários do programa. Mas vale notar que, para além do custo fiscal óbvio de tal medida, o aumento amplifica um potencial custo de ineficiência, que é o da má distribuição do Auxílio Brasil entre as famílias vulneráveis.

Para que o maior número possível de famílias seja retirada da pobreza com uma dada quantidade de recursos, distribuição focalizada é fundamental. Há duas principais razões, como já foi apontado por Ricardo Henriques em artigo recente, para a redução na focalização do Auxílio Brasil, quando comparada àquela do Bolsa Família.

Primeiro, os critérios de alocação dos valores por família usados no Bolsa Família e baseados em estrutura demográfica e de geração de renda foram solapados com a distribuição uniforme de R$ 400 (e agora, R$ 600). Em seguida, há um contexto de baixíssima taxa de atualização cadastral das famílias em situação vulnerável. Os dados de várias famílias têm permanecido sem atualização por anos, fazendo com que o critério de elegibilidade não seja prontamente verificado.

Moradores do Jardim Julieta, uma ocupação na zona norte de São Paulo que se formou em 2020, fazem fila para receber sopa distribuída por uma ONG
Moradores do Jardim Julieta, uma ocupação na zona norte de São Paulo que se formou em 2020, fazem fila para receber sopa distribuída por uma ONG - Lalo de Almeirda/Folhapress

Há, contudo, um ponto relevante que deve ser levado em conta na discussão sobre custos de ineficiência associados à falta de atualização cadastral. Famílias vulneráveis estão expostas à alta volatilidade da renda do trabalho. Atualizações cadastrais muito espaçadas não captam variações da renda, sobretudo de quem não tem vínculo formal de emprego, amplificando, portanto, erros de inclusão indevida no programa.

Os dados longitudinais do IBGE permitem uma dimensão da variação da renda individual entre cinco trimestres. Com foco nos anos de 2018 e 2019, ou seja, antes da pandemia, e na renda familiar per capita, que inclui todas as rendas, inclusive transferências, de todos os membros da família, alguns padrões emergem.

Em 2018, 75% da população tinha renda familiar per capita mensal superior a R$ 412 (em reais de janeiro de 2019). Em 2019, um indivíduo que em 2018 teve renda igual a R$ 412 por mês tinha 90% de chance de ganhar menos do que metade da população e os mesmos 90% de chance de ter renda superior a 9% da população.

Ou seja, indivíduos em famílias com renda inferior a meio salário mínimo per capita enfrentam uma grande oscilação da sua posição relativa na distribuição de renda. Vistos por um outro ângulo, eles têm 80% de chance de no ano seguinte ganharem entre R$ 200 e R$ 825, ou seja, entre menos da metade e o dobro do que ganhavam no ano anterior.

O custo de monitoramento dessas oscilações via cadastro é muito alto. Atualizações mais frequentes são importantes, mas elas não serão suficientes para evitar o erro de exclusão indevida de quem, em um bom momento, conseguiu sair da pobreza via mercado de trabalho.

Para reduzir esse erro, pode-se pensar em relaxar o critério de elegibilidade. Com isso, quem esteve circunstancialmente "não pobre", mas é estruturalmente pobre, não seria punido. O custo seria uma eventual redução da focalização. De toda sorte, há que se pensar em um novo sistema de transferências de renda que leve em conta, explicitamente, a volatilidade do trabalho no país.

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