Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

O PC é uma droga

Crítica politicamente correta faz bem à vida social, mas a superdose é um perigo

O conjunto de manifestações sociais que se chama de politicamente correto é amplo e complexo demais para permitir uma escolha simples entre contra e a favor. É preciso problematizar o PC —para usar um verbo caro ao próprio PC.

Nascido no meio acadêmico dos anos 1970, filho da rebeldia de 1968 e da desilusão com a política tradicional, ele levou parte da esquerda a trocar a ideia de revolução real —com seus riscos à integridade física dos militantes —pela de revolução simbólica, que é mais tranquila.

Tinha um bom pressuposto: as relações de poder não se revelam só nas disparidades econômicas, mas permeiam o tecido social e moldam a linguagem, moeda principal de nossas trocas simbólicas.

O remédio PC podia ser amargo, como ao nos indispor com uma palavra caseira como "judiação", herdada da vovó. Às vezes vinha em desajeitadas embalagens de eufemismo, tentando nos convencer de que falar "afro-brasileiro" e "comunidade" em vez de "negro" e "favela" denota superioridade moral.

No entanto, em doses corretas o remédio fez bem à vida social. Ficamos mais autocríticos. A linguagem nunca será "natural", por mais distraído que o falante esteja, e levar mais pessoas a percebê-la como construída representa um avanço.

Os jornalistas William Waack, Carlos Maranhão e Sergio Rodrigues, e o secretário de Redação da Folha Vinicius Mota (esq. p/ dir.) participam do 2º Encontro Folha de Jornalismo
Os jornalistas William Waack, Carlos Maranhão e Sergio Rodrigues, e o secretário de Redação da Folha Vinicius Mota (esq. p/ dir.) participam do 2º Encontro Folha de Jornalismo - Adriano Vizoni/Folhapress

Como todo remédio, a superdosagem é um perigo. Em casos extremos pode até provocar paralisia cerebral. Semana passada, uma deputada espanhola do Podemos defendeu a palavra "porta-voza" para combater o "sexismo da linguagem".

Há indícios de que o tsunami digital —este sim uma revolução —provocou descontrole na posologia da droga. Tem sido frequente a militância identitária das redes sociais trabalhar contra os interesses das minorias que defende.

Como? Isolando-as. Minorias são, desculpe, minoritárias. Decorre daí que só ganham poder formando alianças com outras minorias ou com grupos dissidentes dentro do bloco majoritário, que nunca é maciço.

Ora, um novo dogma PC trabalha para o isolamento das minorias em suas trincheiras: "A vítima tem sempre razão, e só quem se sente ofendido pode dizer o que é ofensivo".

Desdobrando-se a ideia, temos o seguinte: "Se você não pertence ao grupo, é inimigo, mesmo que não saiba. Cale a boca". Trata-se de um argumento tirânico que nega de uma só vez o livre-arbítrio (você é seu grupo, não um indivíduo) e a livre expressão. Inspira temor, mas não um pingo de respeito em quem ainda aposta na convivência democrática.

O PC foi tema da mesa do 2º Encontro Folha de Jornalismo da qual participei, em comemoração ao 97º aniversário do jornal, ao lado de William Waack e Carlos Maranhão.

Ah, três homens brancos!, gritarão os "guerreiros sociais". Foi a primeira coisa que disse no palco: fazia falta ali uma voz mais dissonante. Se a crítica fosse só à baixa diversidade do trio de debatedores, eu e os guerreiros estaríamos de acordo.

Não é. Eles defendem a supressão seletiva de direitos (no caso, à opinião) com base em gênero, cor e perfil socioeconômico. Aí vem um Trump ou um Bolsonaro, revida com o mesmo chumbo —e calibre muito mais grosso— e o pessoal se espanta. Não devia. De intolerância e autoritarismo os caras entendem muito mais.

Sérgio Rodrigues

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