Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Descrição de chapéu mídia

A mídia não fica abaixo da média

Como a expressão 'mass media' deu crias diferentes no Brasil e em Portugal

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São muitas as críticas feitas à mídia –algumas justas, outras não–, mas para a coluna de hoje interessa apenas uma, bastante violenta, que costuma ser dirigida à palavra em si.

Para muita gente, o próprio fato de usarmos no Brasil o termo mídia –enquanto em Portugal se prefere média– seria uma prova de que somos bocós.

O argumento dos críticos de mídia é o seguinte: se a palavra tem origem no latim "media" –plural de "medium", significando meios–, é ridículo adotá-la nessa versão macaqueada do inglês, como fica demonstrado na pronúncia e na grafia que ela inspirou no Brasil.

Edição da Folha é impressa em rotativas - Eduardo Knapp - 16.abr.2020/Folhapress

Muito melhor, prossegue esse raciocínio, fazem os portugueses quando vão direto ao latim, pois para alguma coisa há de servir falarmos uma língua... neolatina, justamente.

Ou seja, "isso os média não mostram"! Muito melhor e mais digno assim, não é verdade? Não, não é verdade, como espero demonstrar a seguir.

Mídia e média são soluções para um termo importado que têm, ambas, prós e contras –e os prós da opção da língua brasileira me parecem consideráveis.

Não vou defender aqui que a forma que usamos seja superior à lusitana. Esse tipo de hierarquia não costuma fazer sentido no mundo da linguagem.

A ideia é só desmontar uma acusação linguisticamente furada e tolamente sabichona contra uma palavra que o uso consagrou entre nós.

O erro dos detratores de mídia tem sua origem profunda numa compreensão equivocada da etimologia. Tanto no Brasil quanto em Portugal, a palavra é oriunda do inglês e não do latim.

Na língua dos césares, "media" nunca teve o sentido que tem hoje, nem poderia. "Mass media" –meios de massa, veículos de comunicação de amplo alcance– nasceu há cerca de um século no vocabulário publicitário americano.

O sucesso internacional da expressão tem bases econômicas, tecnológicas e sociais: sem os "mass media", o século 20 não seria o que foi. Além disso, a disseminação da palavra reflete o sucesso do inglês como língua imperialista.

Sim, a expressão original lançava mão de um termo latino, mas a carga semântica que lhe atribuía era inteiramente nova. E foi esse o pacote que importamos.

A maior abertura brasileira à influência do inglês explica a apropriação da palavra com pronúncia anglófona. Erro? É o tipo de fidelidade acústica que ocorreu com xampu (do inglês "shampoo") e sutiã (do francês "soutien").

Também o fato de mídia ser substantivo singular –como, de forma não exclusiva, se dá em inglês– decorre daí. Por fim, tratando-se de uma palavra inteiramente nova, que gênero sugere a terminação em "a" mesmo?

Se mídia é uma solução que pode soar meio desajeitada, o maior apego dos portugueses ao latim entrevisto na expressão inglesa, tanto na pronúncia quanto na concordância de gênero e número, também cria seus problemas.

Um deles é a indefinição de grafia. Alguns dicionários recomendam acentuar média, aportuguesando a palavra. Outros a preferem engessada em latim mesmo, com aspas ou grifo: "media".

No primeiro caso, quem vai dizer que "os média", com essa concordância esquisitíssima, seja um exemplo de elegância vocabular? No segundo, vai para as cucuias a funcionalidade de usar a palavra como uma peça de Lego para a formação de uma infinidade de outras.

"O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem", disse Nelson Rodrigues. A língua é um dos espelhos onde cuspimos, e a palavra mídia uma de nossas vítimas.

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