Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

O erro de chamar mentira de erro

Da falsificação de Queiroga sobre a vacina à de Risério sobre o racismo

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"Queiroga erra e diz que 4.000 morreram por vacina", afirmou a Folha na segunda (17). O jornal errou: o que o ministro da Saúde cometeu não foi um erro, o erro estava na escolha vocabular do título.

Exatamente um mês antes (17/12), tinha havido um caso parecido. "Bolsonaristas erram ao dizer que Datafolha indicava vitória de Haddad em 2018", era a notícia.

Na ocasião, protestos em redes sociais levaram a uma reformulação do texto, com a troca de "erram" por "distorcem". Melhor, sem dúvida. No caso recente de Marcelo Queiroga, o erro ficou intocado.

Ministro Marcelo Queiroga fala com a imprensa em Brasília - Sergio Lima - 11.jan.2022/AFP

Embora louvável, a solução ainda soava torta. Impunha a "distorcer" uma intransitividade forçada e evitava o verbo que seria mais natural no contexto.

"Mentir" é o verbo. Bolsonaristas mentiam sobre as pesquisas de 2018 e Queiroga mentiu ao dizer, em entrevista a uma rádio de extrema direita, que 4.000 brasileiros morreram de vacina. Seu ministério confirma 11 mortes ligadas à vacinação.

A diferença entre errar e mentir é a que há entre boa-fé e má-fé. Só erra quem tem a intenção de acertar. Quem dá troco de R$ 17,70 para uma nota de R$ 20 quando a despesa é R$ 3,30, por exemplo.

Quem nega o Holocausto, diz que a terra é plana, que negros oprimem brancos ou que as vacinas representam um problema de saúde pública em vez de uma solução –quem faz isso falseia a realidade, alimenta a desinformação. Mente.

Tal adequação vocabular é o mínimo que se exige para a manutenção de uma conversa civilizada. Há outras palavras disponíveis para esse tipo de comportamento, num arco de gravidade crescente que se embrenha pelo Código Penal. Apontar a mentira é o básico.

Entende-se que a busca de uma postura imparcial diante dos fatos –meta desejável, ainda que inatingível–, ou pelo menos de certa pluralidade, recomende cuidado com o juízo duro embutido no verbo "mentir".

Se a diferença entre errar e mentir é de intenção, mora no caráter, quem somos nós para, de fora, dizer qual é qual? A ponderação é justa, mas encontra seu limite no bom senso.

Diante de um governo que, desde a campanha, faz do caos e da desinformação uma linguagem e um meio de vida, evitar chamar a mentira de mentira não denota ponderação. Denota covardia, renúncia ao dever de informar.

Dizer que 4.000 brasileiros morreram por causa da vacina –um desvio de 3.989, só– não é erro. Erro, e grave, é quase 58 milhões de brasileiros terem votado num candidato que, meses depois, estava trabalhando para matá-los na maior quantidade possível.

O texto acima já estava pronto quando tomei conhecimento da carta aberta de 186 jornalistas da Folha motivada pelo artigo de Antonio Risério. Estou com eles, o artigo é muito ruim.

Não é de hoje que me incomoda a postura sensacionalista de fabricar polêmicas contra consensos progressistas à custa de embaralhar categorias, o anedótico com o sistêmico, a exceção com a regra.

É o que faz o artigo, aproveitando-se da polissemia de "racismo" na linguagem comum –palavra que pode significar tanto um sistema de opressão quanto uma disposição hostil particular. Isso também é desinformação.

Não gosto de dogmas nem da ideia de blindar de críticas o dito identitarismo. Se é óbvio que Risério tem liberdade para escrever o que quiser, entendo os colegas que se preocupam por ver o jornal dando palco, seguidas vezes, ao que também é uma forma de mentira.

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