Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Vamos femenagear o ovulário?

Com o diálogo político em baixa, guerrilha linguística investe no ruído

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É possível que a maioria dos leitores nem saiba que tem dado as caras por aí a palavra "ovulário", termo de nicho. Trata-se de um neologismo que certos setores do feminismo acadêmico abraçaram como substituto de seminário.

E qual é o problema com seminário? Em termos históricos, etimológicos, nenhum. O latim "seminarium" nasceu como lugar onde se plantavam sementes, viveiro dedicado ao cultivo de plantas literais —e, em seguida, metaforicamente, de ideias, estudos, estudantes.

Ocorre que o latim "semen" (semente, germe) também é a matriz de sêmen, esperma. E embora, na origem, o seminário não tenha zorra nenhuma a ver com fluidos corporais, essa associação faz com que, aos olhos de algumas pessoas, ele se torne suspeito de machismo estrutural.

Ilustração de seminário ou conferência
Mirko Grisendi por Pixabay

A suspeita basta? Não. Num julgamento justo e ponderado, o seminário seria absolvido. Mas não estamos falando necessariamente de um tribunal civil em tempo de paz.

Quando submetida a um julgamento político em clima de guerra cultural, a palavra vira um belo bode expiatório com a função de chamar a atenção do público para crimes que, por muito tempo, foram naturalizados ou ficaram invisíveis.

Se é um fato que, ao longo de séculos, seminários acadêmicos tenderam —como ainda tendem, embora menos— a contar com uma maioria avassaladora de homens, quem está ligando para a verdade etimológica?

O ovulário tem como companheira habitual a "femenagem" (em vez de homenagem). Longe de serem casos isolados, esses neologismos ilustram uma estratégia de amplo emprego por minorias nos últimos anos: a guerrilha linguística.

Na mesma categoria se enquadra o uso de escurecimento com o sentido de esclarecimento que fez a apresentadora da cerimônia de lançamento da chapa Lula-Alckmin no dia 7 do mês passado, provocando algum tumulto nas redes sociais.

O verbo esclarecer não tem nada de racista, como a escuridão da noite também não tem. Se é uma lei da natureza que na claridade o olho humano enxerga melhor, imaginar que isso guarde relação com cores de pele beira a insanidade.

Acontece que a ciência, como a etimologia, não interessa muito à guerrilha linguística. Sua lógica é política. Sendo o preconceito estrutural tão insidioso e resistente, imagina-se que quanto mais estranhamento e até revolta provocar uma intervenção vocabular, melhor.

E quem, afinal, pode garantir que séculos de racismo entranhado em nossa sociedade contra pessoas de pele negra não tenham contaminado incidentalmente o "esclarecimento"?

A guerrilha linguística é boa em fazer barulho e sacudir consciências, levando a gente a ver a língua como o que ela de fato é —não natural nem caída do céu, mas construída.

Como estratégia de luta, tem como maior fraqueza o fato de se basear em fake news linguísticas, das meias verdades às mentiras completas, dando munição a seus inimigos.

Típica de um tempo em que o diálogo político perdeu lugar para o entrincheiramento de parte a parte, investe no ruído como tentativa de repactuar as regras de um jogo historicamente viciado.

Se é provável que criações como ovulário e femenagem estejam destinadas ao esquecimento ou ao ridículo, o caso do verbo denegrir prova que nem sempre a banda toca assim.

Apesar de isento de conotações raciais em sua origem, denegrir vai se tornando um termo proscrito devido à associação de um sentido intensamente negativo à cor negra. Da minha parte, já vai tarde.

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