Thaís Nicoleti

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Que significa a palavra bolsonarista?

Ao que tudo indica, termo não morrerá com o fim do governo Bolsonaro

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O presidente Jair Bolsonaro (PL) em campanha em Presidente Prudente (SP) - Jean Ramalho/Folhapress

Às vésperas de uma das disputas eleitorais mais importantes dos últimos tempos, não é de estranhar que os ânimos estejam acirrados. Exemplo disso foi o entrevero entre manifestantes do MBL e do PSOL na avenida Paulista, em São Paulo, no último domingo de panfletagem.

A Folha noticiou o acontecimento em reportagem intitulada "Militantes do PSOL agridem adolescente do MBL, e PM tenta deter Boulos em SP", que teve seu conteúdo original corrigido em errata, como se vê ao término do relato. Ainda que o título tenha soado tendencioso para uma parte dos leitores, a correção ateve-se ao uso, na legenda de uma foto, de certo adjetivo atribuído aos policiais militares.

O termo, segundo nos informa a errata, por erro de edição, foi transposto da legenda de foto original, enviada pela assessoria do PSOL, que tratou os policiais que tentaram deter Guilherme Boulos como "PMs bolsonaristas". O uso do adjetivo, no caso, induziria o leitor a pensar que os PMs, que, no exercício de sua atividade, queriam levar Boulos preso –para o gáudio dos emebelistas de celular em punho–, tivessem alguma simpatia partidária pelo atual ocupante do Planalto, candidato à reeleição. Acerca do ocorrido o leitor tirará as próprias conclusões; por aqui, vamos tratar desse neologismo polêmico que ainda permanece fora do âmbito dos dicionários.

Afinal, o que significa "bolsonarista"? Trata-se apenas do seguidor do "bolsonarismo", sendo este um movimento ideológico nascido com Jair Bolsonaro? Vejamos. Do ponto de vista morfológico, os dois termos têm como radical a forma "bolsonar-", depreendida do antropônimo Bolsonaro. O sufixo "-ismo", que, segundo o dicionário "Houaiss", foi usado primeiramente em medicina para designar intoxicação de agente tóxico (como em "alcoolismo"), estendeu-se para o âmbito dos movimentos sociais, ideológicos, políticos, opinativos e religiosos, sendo acrescido a nomes próprios (como em "bolsonarismo"). Associado a ele ocorre o sufixo "-ista", que designa, de fato, o adepto, seguidor ou partidário do movimento.

Como qualquer nome próprio pode dar origem a termos terminados no par "-ismo"/ "-ista", é compreensível que os lexicógrafos não se apressem a registrar "bolsonarismo" e "bolsonarista" em seus dicionários, mesmo diante da inegável frequência dessas palavras na boca do povo. No momento em que este texto é escrito, registram-se no Google 10 milhões de entradas para "bolsonarista" e 3,3 milhões para "bolsonarismo". Não deixa de ser interessante observar que "bolsonarista" tem o triplo de registros de "bolsonarismo". Por que será?

Uma hipótese é que "bolsonarismo", por ser um substantivo abstrato, seja usado por analistas políticos ou sociólogos que estudam o fenômeno, enquanto "bolsonarista" aparece na boca do povo o tempo todo, tanto como substantivo (um bolsonarista/ uma bolsonarista) como na condição de adjetivo (campanha bolsonarista, tática bolsonarista, político bolsonarista e o popularíssimo "gado bolsonarista", que atinge 204 mil ocorrências até o momento).

Convém considerar que os números do Google são modestos ante a quantidade de vezes que as pessoas proferem essa palavra em conversas diárias, transmissões de internet, mensagens trocadas em aplicativos. Isso comprova que o termo tem grande utilidade na comunicação, portanto pode-se imaginar que seu significado esteja razoavelmente estabelecido. Será?

Um pequeno apanhado de situações de emprego coletadas em reportagens da própria Folha pode ajudar a equacionar o problema da definição. Em uma reportagem do caderno cultural sobre o novo livro de um escritor, vemos o seguinte trecho: "Talvez não seja a escolha de presente mais apropriada para aquele tio bolsonarista –ou talvez seja exatamente o melhor presente, já que, lendo as desventuras cheias de espanto e solidão, mas também de violência, virilidade e narcisismo do personagem, seu tio será obrigado a se reconhecer".

A imagem do "tio bolsonarista" foi associada ao personagem da trama, cujas "desventuras cheias de espanto e solidão, mas também de violência, virilidade e narcisismo", obrigariam o leitor enquadrado nesse perfil a se reconhecer. Temos aqui uma pista sobre o significado de "bolsonarista", termo do qual sai um link para outro texto do jornal. Quem clicar em "bolsonarista" nesse parágrafo será conduzido ao texto intitulado "Pesquisador do Datafolha é agredido com chutes e socos por bolsonarista no interior de SP". Mais pistas sobre o que vem a ser um "bolsonarista".

Na lista de doadores individuais da campanha do candidato bolsonarista (ou seja, apoiado por Bolsonaro) em São Paulo, segundo outra reportagem, aparece, ao lado do empresário Abílio Diniz e do sobrinho do torturador Brilhante Ustra, o "ex-piloto bolsonarista Nelson Piquet". Dos três o único que recebeu o adjetivo "bolsonarista" foi Nelson Piquet, embora a contribuição maior para o candidato tenha sido a do empresário, que desembolsou o equivalente a dez vezes o valor doado pelo sobrinho de Ustra e o dobro do que doou Piquet. O uso do adjetivo tem explicação: dele também sai um link, desta vez remetendo a uma notícia sobre Piquet ter sido denunciado ao Ministério Público por falas racistas. Mais uma pista.

Vejamos mais uma reportagem, que começa assim: "Um vídeo recente que circulou pelas redes sociais também ajudou a levar o tema para o campo eleitoral. Na gravação, um bolsonarista informa a uma mulher que ela não receberia mais doações de alimentos por declarar voto no ex-presidente Lula". O bolsonarista em questão é, mais que um eleitor declarado de Bolsonaro, um tipo arrogante e abjeto, que, no entanto, acabou pedindo desculpas pelo que fez.

O jornalista Elio Gaspari termina uma de suas colunas com a frase "Nada se compara à intolerância bolsonarista, mas ela não é a única". Nesse registro, "bolsonarista" adjetiva o substantivo "intolerância", à maneira de um epíteto de natureza (como em "noite escura", "sol brilhante" etc.), em que o adjetivo não acrescenta uma ideia nova, mas enfatiza algo que já é próprio do substantivo. Nesse caso, "intolerância" seria mais um traço do "bolsonarista".

Marcos Cintra, o vice da candidata Soraya Thronicke, a qual se apresenta como bolsonarista arrependida, afirmou, em entrevista à coluna Painel S.A., sobre seu voto em eventual segundo turno: "Frente à alternativa, eu acho que a visão bolsonarista combina mais com o meu modo de pensar do que o grupo do PT. Não com o meu modo de comportamento, mas de pensamento". Temos aqui um caso interessante, pois o entrevistado distingue a ideologia bolsonarista do comportamento bolsonarista. E agora, José?


É claro que um levantamento de todos os significados possíveis e em uso seria uma tarefa complexa a realizar. Desta diminuta amostra –e dos exemplos que virão à mente do leitor– podemos tirar algumas conclusões.

Em primeiro lugar, "bolsonarista", como adjetivo, refere-se a bolsonarismo (político bolsonarista) e ao próprio Bolsonaro (campanha bolsonarista) e, como substantivo, ao adepto do bolsonarismo, ao apoiador das ideias de Bolsonaro ou ao admirador de Bolsonaro. Em segundo lugar, "bolsonarista" tem marcante uso pejorativo, associado às ideias de truculência, violência, racismo (a que se acrescem misoginia, machismo e homofobia, ainda que não nesta amostra), arrogância, intolerância, grosseria.

Vemos, assim, quão problemático seria manter "PMs bolsonaristas" na legenda da foto da reportagem sobre Boulos: seriam eles partidários e admiradores de Bolsonaro, que estariam amplificando o episódio com vistas ao seu uso político por correligionários, ou seriam, além disso, truculentos, violentos etc.? Nenhuma acepção do termo cairia bem na legenda, a menos que se pretendesse dizer isso mesmo, coisa que o jornal não faria.

Considerando, porém, a oposição proposta por Marcos Cintra, o sentido depreciativo de "bolsonarista" estaria ligado apenas ao comportamento, a certo modo de manifestar adesão ao bolsonarismo, não às ideias, àquilo que ele considera o "pensamento bolsonarista". Se assim for, mesmo sem o mentor sentado na cadeira presidencial, o mais provável é que os bolsonaristas e, sobretudo, o bolsonarismo continuem a pairar no cenário.

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