Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Natal

Gastança, cobrança, lambança etc.

De cunho popular, palavras se afastaram de primas cultas como a constância

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Gastança, palavra forte que a Folha escolheu para marcar sua oposição editorial àquilo que é comumente chamado de PEC da transição, chegou nesta quarta (21) à posição de maior destaque na primeira página.

Com isso, cresceu sobre a coluna a cobrança de leitores que identificam na abundância de "gastança" um sinal de implicância com a governança que está prestes a suceder, renovando esperanças, um mandato marcado pela lambança e pela matança.

Como se vê, o substantivo que o Houaiss define como "gasto excessivo e geralmente desnecessário" (ênfase em desnecessário) tem o mesmo sufixo de palavras eloquentes e meio gozadoras como lambança e festança, mas também de termos circunspectos como cobrança, esperança e vingança.

Mulher mais velha segura, em frente ao rosto, cartão do Auxílio Brasil
A dona de casa Nilma Andrade, 61, beneficiária do programa Auxilio Brasil, posa para uma foto com seu cartão em sua casa, em Porto Alegre (RS) - Diego Vara - 24.out.2022/Reuters

Além disso, guarda relações de parentesco com vocábulos como arrogância, distância e dissonância. Sim, essas palavras do português terminadas em "ança" e "ância" compartilham o DNA de uma mesma terminação latina – "antia".

E por que se diferenciaram? Que polarização foi essa que levou a confiança, a esperança, a temperança e a vizinhança para o lado do cê-cedilha enquanto a constância, a extravagância, a tolerância e a vigilância iam para o outro?

A resposta talvez decepcione os racionalistas: o acaso. O que é outra forma de falar do uso, do hábito. O caminho que levou de "antia" a "ança" é o mais antigo, popular e, digamos, natural.

A certa altura do Renascimento as línguas neolatinas, surgidas do latim "errado" do povo, quiseram se afirmar como cultas. Mais identificadas com a escrita do que com a fala, apareceram então as formas terminadas em "ância".

Em muitos casos, houve por séculos uma guerra surda entre os dois lados antes que uma grafia se impusesse como "correta" —com "convalescença" derrotando "convalescência", por exemplo.

Até hoje se vê certa instabilidade nesse campo, sendo possível encontrar casos de grafia dupla (entre outros, "estança" e "estância", no sentido de estrofe) e também desvios da norma ortográfica por via popular ("ignorança") ou de hipercorreção ("abastância").

O Papai Noel é resultado de um longo processo de cruzamento de lendas pagãs e cristãs, mas sua imagem definitiva nasceu no século 19 no pincel do ilustrador americano Thomas Nast (1840-1902).

Via imprensa —uma espécie de internet daquele tempo—, a figura do velho gordo, risonho e rosado, barbas brancas e roupas vermelhas, se espalhou pelo mundo. Tinha então um traço que hoje é embaraçoso: não largava seu cachimbo.

Expurgaram-lhe o tabagismo, o resto ficou. Nos anos 1930 a Coca-Cola lançou uma campanha de grande sucesso, inspirada em Nast, com Noel de protagonista. Por isso há quem chegue a jurar que o pessoal de publicidade do refrigerante inventou o personagem.

A representação da figura tinha variado ao longo dos séculos, incluindo trajes verdes e até chifres de bode. A maioria se unificava pela referência ao popularíssimo São Nicolau, que viveu entre os séculos 3 e 4 e costumava presentear pobres e crianças.

De Nicolau, Noel herdou seu nome em inglês —Santa Claus. O nome brasileiro Papai Noel e o lusitano Pai Natal derivam, ambos, do francês Père Noël.

No entanto, a caracterização consagrada por Nast tem traços claros da mitologia germânica, na qual o deus Odin, de longas barbas brancas, distribuía prendas do alto de seu cavalo voador.

Feliz Natal!

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