Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Vai-se a Covid, ficam os velhos hábitos

Permanecemos seduzidos a reagir ao ambiente externo favorável com populismo fiscal

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Ainda que a variante delta seja extremamente contagiosa, as vacinas têm prevenido quase todos os casos graves da Covid-19, permitindo que os países mais avançados na imunização continuem o processo de reabertura. Há esperança de que em breve a doença deixará de ser um grave problema de saúde. No entanto, infelizmente, a pandemia deixará relevantes complicações econômicas e políticas para alguns países.

No Brasil, já voltamos a flertar com antigas práticas. Entre as mais perigosas, está o aproveitamento do ambiente internacional favorável para retroceder nos ajustes realizados. Depois da forte reação das políticas fiscal, monetária e creditícia —extremamente relevantes para limitar o impacto da pandemia na economia—, há sinais evidentes da dificuldade de, na volta da "normalidade", mantermos a consistência sem destruir as bases para o crescimento sustentado.

A discussão sobre uma reforma tributária que reduz a carga de impostos em um país que não apresenta superávit primário desde 2014; a proposta de aumentar o gasto social (um dos mais altos entre emergentes) sem a menor preocupação em revisar sua eficácia; e a manutenção de dispositivos não transparentes no Orçamento de 2022 depois de toda a confusão ocorrida neste ano são ameaças não só à consolidação fiscal mas também ao crescimento sustentável.

A situação externa favorável anestesia as reações do mercado, como fuga de capital ou forte correção dos preços dos ativos. A maior adversidade que sofremos foi o fato de a taxa de câmbio ter permanecido depreciada a despeito dos elevados preços de commodities, o que resultou na inflação mais alta registrada desde 2016.

Mesmo com os juros subindo e os títulos longos sendo pressionados, tudo indica que, enquanto houver financiamento, não haverá urgência em conter ou impedir excessos.

Alardeia-se uma sobra de arrecadação de mais de R$ 200 bilhões, quando na verdade isso é mero reflexo de condições específicas, como a retomada da atividade mais forte do que a prevista, elevados preços de commodities, aceleração não esperada da inflação e o uso de uma base de comparação deprimida. A alegação de que devemos arriscar "errar para mais" é —nada mais, nada menos do que— a volta da ideia de que a solução para o problema fiscal é o crescimento, que elevaria receitas e eliminaria déficits.

E, para piorar, se o governo encontra uma suposta sobra, como impedir que esta seja de fato completamente tomada por mais gastos nas vésperas do ano eleitoral?

Não é possível discordar de que um PIB mais alto favoreça o ajuste, mas isso é muito diferente da proposta segundo a qual basta estimular a atividade para que o problema fiscal desapareça. Já testamos isso no ciclo encerrado em 2016, bem como o uso intenso do capital político, a fim de manter alguma base de sustentação do governo.

Na economia, o voluntarismo não substitui ações, e o resultado foi uma recessão profunda e duradoura. É a consolidação fiscal que permite a aceleração do crescimento, e não um crescimento artificial que resolve o problema fiscal.

Do lado da despesa, os gastos têm sido controlados à custa do congelamento dos salários dos servidores, da postergação de pagamentos de despesas como o abono salarial e da redução momentânea de despesas possibilitada por mecanismos criados com a pandemia (como a MP do Bem, que diminuiu os gastos com seguro-desemprego neste ano). Oportunidades foram perdidas, por exemplo, na aprovação da PEC Emergencial, que não trouxe gatilhos exequíveis a curto prazo.

Não há nada que nos permita antecipar a ocorrência de superávits primários em breve. Quando todos os fatores momentâneos se forem (inclusive a inflação, assim esperamos), estarão evidentes os desafios da política fiscal.

O país viveu anos elevando gastos correntes e se financiando através do aumento da carga tributária e do endividamento (após esgotar o financiamento inflacionário).

Períodos de elevados preços de commodities e abundante liquidez oferecem oportunidades para os países emergentes, provendo recursos que podem ser canalizados para o aperfeiçoamento de políticas públicas e para o avanço de reformas complexas como a tributária.

No entanto, mais uma vez a nossa capacidade futura de crescimento será comprometida por ações cujo benefício é limitado ao curto prazo. Permanecemos seduzidos a reagir ao ambiente externo favorável com populismo fiscal.

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