Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Solange Srour
Descrição de chapéu juros inflação

Inflação pode não ser tão temporária

Risco de retrocesso na globalização e na credibilidade dos bancos centrais é maior ameaça

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

De um lado, Jerome Powell, presidente do Fed (banco central dos EUA), repete —dia sim, dia não— que a recente alta da inflação é temporária, resultado natural da recuperação da atividade e da reabertura da economia. O mesmo discurso é reiterado na Europa e em vários emergentes, inclusive no Brasil.

De outro lado, a temporada de resultados das empresas listadas nas Bolsas globais evidencia que a falta de insumos e as pressões generalizadas sobre os custos não são transitórias.

A maioria dos setores reporta produção aquém da desejada e estoques baixos, e a expectativa é que a reversão desse cenário não se dará em poucos meses. Pesquisas que captam as perspectivas de emprego, produção, custos e prazos de entrega das indústrias (conhecidas como PMIs) apresentam resultados semelhantes nos mais diversos países: preços dos insumos no maior patamar da série, atrasos nas entregas e elevadas encomendas.

Warren Buffett, um dos mais importantes investidores do mercado financeiro global, sintetizou no sábado (1º) o pensamento de grande parte dos presidentes-executivos: “Estamos vendo uma inflação muito substancial. O interessante é que aumentamos os preços, nossos fornecedores aumentam os preços, e as pessoas, que estão com dinheiro no bolso, estão aceitando pagar mais”.

Preços de commodities em forte alta, custos elevados de transporte e até mesmo pressões salariais são hoje as principais fontes de pressão sobre a inflação. A extraordinária expansão fiscal e monetária global, em conjunto com o maior controle da pandemia, impulsionou a demanda por bens e, mais recentemente, por serviços. Explicam boa parte da alta dos preços dos insumos, dos produtos finais e, de forma incipiente, dos salários. O exagerado aumento dos benefícios sociais nos EUA, mesmo após a pior fase da pandemia, por exemplo, já começa a impor dificuldades para as empresas contratarem mão de obra.

No entanto, essa é uma explicação parcial. Não estamos assistindo apenas a um choque de demanda, mas também a um choque de oferta: o efeito prolongado da quebra das cadeias produtivas.

A pandemia causou a interrupção de suprimento de matérias-primas relevantes (cobre, ferro, aço, madeira) no mundo inteiro, cujo efeito mal se compara aos impactos das tensões EUA-China, que eclodiram pela primeira vez em 2018 e afetaram a inflação temporariamente.

O retorno da capacidade produtiva não será imediato. Com cadeias produtivas integradas mundialmente, a diferença no ritmo de vacinação entre os países se apresenta como uma forte restrição.

Quão temporária será a inflação? A resposta depende de dois fatores cruciais: as consequências da pandemia sobre o processo de globalização e a capacidade dos bancos centrais de controlar as expectativas inflacionárias de longo prazo.

A chamada “guerra pelas vacinas e por materiais farmacêuticos” e a falta generalizada de insumos trazem repercussões geopolíticas. Os primeiros atos de Joe Biden em relação às transações com o exterior foram bastante semelhantes aos do governo Trump. Biden já propôs uma série de políticas de promoção da produção nacional, incluindo punições fiscais destinadas a empresas que terceirizam empregos, bem como incentivos fiscais para trazer empregos de volta. Seu pacote de infraestrutura tem um forte apelo ao sentimento “made in America”.

A velocidade com que preços e salários sobem é extremamente sensível à forma como os trabalhadores e as companhias veem a dinâmica da inflação subjacente da economia.

A inflação de hoje é muito influenciada pelas expectativas de inflação de longo prazo. Enquanto os bancos centrais conseguirem ancorá-las, serão capazes de frear uma aceleração não temporária da inflação sem causar grandes perdas de PIB; mas, se não normalizarem as taxas de juros quando as circunstâncias assim exigirem, o custo do ajuste será bem mais significativo.

Os esforços de desinflação dos bancos centrais desde 1980 até a crise financeira de 2008 se beneficiaram enormemente da globalização e da credibilidade conquistada pelos bancos centrais. São esses dois riscos que parecem estar sendo minimizados em um momento em que o mundo sofre choques de demanda e de oferta. Ambos parecem ser menos temporários do que alardeado. Pode ser a tempestade perfeita para a volta de uma inflação mais persistente.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.