Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Brasil precisa aproveitar a fragmentação da economia global

Se reduzirem vulnerabilidades domésticas, economias emergentes atrairão investimentos

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Além da ambiciosa agenda econômica de construir um novo arcabouço fiscal crível capaz de trazer uma queda sustentável dos juros, o Brasil enfrenta neste momento um importantíssimo desafio geopolítico: posicionar-se em um mundo onde o paradigma liberal —baseado no multilateralismo e na cooperação internacional entre países como forma de gerar maiores taxas de crescimento— perdeu espaço para o paradigma geopolítico, em que a segurança nacional tornou-se prioridade.

As consequências desse "novo mundo", no qual prevalecem o acirramento da relação belicosa entre os Estados Unidos e a China, o redesenho das cadeias de suprimentos globais e a ascensão de políticas industriais nacionalistas, são negativas: maior inflação e menor crescimento global.

Dois punhos fechados estão frente a frente. Um deles tem as cores da bandeira dos Estados Unidos e outro da China
Getty Images via BBC

No entanto, em nível individual, alguns países podem se beneficiar da busca por nações amigáveis, com maior correspondência cultural, que possam fazer parte da cadeia produtiva das companhias (o chamado "friendshoring") ou que também as possibilitem estar perto de seus principais mercados consumidores, evitando problemas logísticos (o chamado "nearshoring").

Nesse mundo fragmentado, economias emergentes que conseguirem reduzir suas vulnerabilidades domésticas —como insegurança jurídica, sistema tributário complexo, infraestrutura precária— serão capazes não só de atrair um imenso fluxo de investimento estrangeiro direto mas também de estimular o investimento doméstico privado, contrabalanceando o menor ímpeto do PIB global.

O México tem sido um dos maiores beneficiários da reorganização das cadeias produtivas, na busca por alternativas à produção chinesa. Apesar de reformas relevantes terem ficado aquém do necessário, a proximidade com o mercado americano é um diferencial e a economia está se beneficiando dos pacotes de incentivo do governo dos EUA que visam trazer para a América do Norte fábricas de microchips e de produtos de tecnologia verde, como carros elétricos.

Estação de carregamento de veículos elétricos em São Paulo03/03/2018REUTERS/Nacho Doce
Estação de carregamento de veículos elétricos em São Paulo - Nacho Doce/Reuters

A Índia é outro país emergente a ser favorecido em virtude de sua vantagem demográfica, já ultrapassando a China em população. O país tem sido, aliás, capaz de escapar das sanções impostas pelos americanos, apesar de sua contínua relação econômica e militar com a Rússia.

O Brasil, até este momento, é visto como um país neutro geopoliticamente, com amplo mercado consumidor e vantagem de ser produtor relevante de commodities agrícolas e metálicas. É um dos candidatos favoritos a receber investimentos em setores como energia renovável e agropecuária, além de consumo e infraestrutura.

Complexo eólico Assuruá, na Bahia - Ômega Energia

Esse processo poderia ser acelerado se o Brasil reduzisse suas vulnerabilidades mais rapidamente. O novo arcabouço fiscal, de fato, trouxe alguma contenção de gastos quando comparado com a situação anterior à do teto de gastos, mas pecou por depender de um aumento substancial da carga tributária a fim de estabilizar a dívida nos próximos anos.

Uma reforma do Estado que estabelecesse boas regras e fortalecesse instituições, por exemplo, abriria espaço para uma ampliação responsável dos investimentos públicos. Tal agenda não está sendo posta; pelo contrário, o país está retrocedendo em algumas importantes conquistas. As mudanças propostas no marco do saneamento podem colocar em risco toda a agenda de concessões e programas de parcerias público-privadas.

Um dos países prejudicados pela fragmentação é a própria China, já com dificuldades em sustentar taxas de crescimento como no passado. Políticas de estímulo à infraestrutura e à construção civil já não têm o mesmo impacto e ampliam o risco de bolhas. Crescimento econômico depende do aumento da força de trabalho e da produtividade. A demografia chinesa atingiu o pico e terá uma trajetória bastante negativa nas próximas décadas.

Além disso, com as sanções americanas, será cada vez mais difícil alcançar ganhos marginais de produtividade via um avanço tecnológico de ponta.

Para os EUA, a consequência mais direta é que o dólar —moeda dominante de reserva e transação— irá perder gradualmente tal status. Nas últimas décadas, a China aumentou em mais de 130 vezes seu comércio bilateral de bens e é natural esperar que tais transações comerciais sejam realizadas sem o uso do dólar como referência.

Estamos testemunhando uma fragmentação da economia global em blocos concorrentes, cada qual tentando puxar o máximo do resto do mundo para mais perto de seus respectivos interesses estratégicos e valores compartilhados.

Com políticas públicas adequadas e uma posição geopolítica neutra, o Brasil teria uma oportunidade secular de aumentar seu PIB potencial. Perder essa oportunidade seria um grande desperdício.

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