Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu Venezuela América Latina

Elo de Maduro com grupos armados faz da Venezuela um Estado híbrido

Estudo mostra que ditadura compartilha gestão com organizações criminosas que constituem Estado paralelo

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Estudo recente publicado pela ONG InSight Crime, que mapeia a violência na América Latina, concluiu que o regime comandado por Nicolás Maduro há dez anos compartilha hoje o poder com organizações armadas criadas ou apoiadas pela própria ditadura. A Venezuela, de acordo com o levantamento, tornou-se "um Estado híbrido, em que a linha entre governança e criminalidade está sendo apagada".

Assim, o cenário nos mostra um terceiro ator que não pode ser excluído do debate sobre uma possível redemocratização do país. Em meio a um processo duvidoso —o órgão eleitoral não é independente, não haverá observadores europeus e os candidatos da oposição ficaram inelegíveis—, o fortalecimento desses grupos passa a ser determinante para o resultado do pleito. Essas organizações, afinal, ajudam a controlar centros de votação e coagem eleitores com distribuição de alimentos e outros benefícios.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante encontro com o líder do Irã, Ebrahim Raisi, no Palácio Miraflores, em Caracas
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante encontro com o líder do Irã, Ebrahim Raisi, no Palácio Miraflores, em Caracas - Leonardo Fernandez Viloria - 12.jun.23/Reuters

Um dos primeiros desses grupos foram os "colectivos", criados ainda na gestão de Hugo Chávez (1999-2013). Eram simpatizantes armados e treinados pelas Forças Armadas que tinham uma atuação mista.

Nas comunidades pobres, ocupavam o vazio deixado pelo Estado, com auxílios à população. Por outro lado, ajudavam a reprimir as manifestações antigoverno que ganharam mais força entre 2014 e 2017.

Logo surgiram outros grupos do tipo, como os "pranes", que atuam sob o comando de presos. Em troca de benefícios nas prisões, os líderes dessas gangues podem mobilizar forças nas ruas em apoio à ditadura.

Maduro assumiu num contexto complicado. Após a morte de Chávez, havia um vazio de poder e de representação. Fraco politicamente, tendo vencido por pouco uma eleição em que não faltaram denúncias de fraude, ele precisava reafirmar sua autoridade e, para tal, contou com a ajuda desses grupos. Enquanto tentava se apresentar como um presidente legítimo, essas agrupações faziam o "jogo sujo" do regime.

Uma mudança importante, porém, ocorreu após a inflação sair do controle e o desabastecimento e a pobreza assolarem a população. O próprio governo já não tinha recursos para pagar essas forças.

A estratégia, então, foi apadrinhar facções que atuavam na mineração ilegal no país, como os chamados "sindicatos", que exploram trabalhadores e decidem quem pode explorar as minas. Para não ter de pagar esses grupos violentos, Maduro deu a essas organizações poder para atuar livremente e sem respeitar regras ambientais e trabalhistas. Em troca, uma porcentagem da produção vai para o regime.

O diretor-executivo do InSight Crime, Jeremy McDermott, afirma que "a criação deste Estado híbrido permitiu que Maduro continuasse no poder, embora a Venezuela se aproximasse da bancarrota". "Isso significa que grupos criminosos que administram atividades comerciais ilegais hoje têm proteção do Estado e ganharam legitimidade em várias comunidades no país, das quais garantem a segurança local, administram a Justiça, recolhem impostos e distribuem a assistência social de modo seletivo."

A tarefa de Maduro para seguir no poder não é simples. Enquanto tenta mostrar à comunidade internacional que suas eleições são limpas, deixa a esses grupos a tarefa de fazer o "jogo sujo" —controlar votos, conter a oposição e perseguir inimigos do regime, sem parecer que obedecem a ordens da ditadura.

Vai ficando cada vez mais difícil esconder o que ocorre no país, e esse cenário mostra, também, que os desafios da oposição e da sociedade venezuelana são muito maiores do que apenas derrotar a ditadura.

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