Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu América Latina

Avanços dos acordos de paz melhoraram a Colômbia, mas é necessário persistência

Sociedade deve abraçar pactos como tratos do Estado colombiano, independentemente de quem governe

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Uma vez, em conversa com o ex-presidente Juan Manuel Santos sobre o acordo de paz firmado entre o Estado colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016, ele me disse: "Nunca tive a ilusão de que o avião decolaria tranquilamente e faria uma viagem sem turbulências".

Essa era a metáfora que ele usava para tentar responder às críticas ao fato de que o pacto não representou uma pacificação geral do país, ou de que as dissidências das Farc se juntaram a outras guerrilhas, paramilitares e narcotraficantes. "O fato é que o avião segue voando, carregando suas velhas engrenagens, tendo momentos difíceis e sacudidas, mas está voando."

Bandeira da paz é fixada nas ruas de El Charco, cidade de Narinho
Bandeira da paz é fixada nas ruas de El Charco, cidade de Narinho - Joaquín Sarmiento - 03.mar.2023/AFP

Hoje, o país que já teve o maior número de mortes violentas da América do Sul vê essas cifras caírem, embora longe de números ideais —houve queda de 7% no primeiro semestre deste ano em relação a 2022.

Também diminuíram, depois dos acordos de 2016, os ataques a bombas em estradas, oleodutos e pontes, algo comum nos 60 anos anteriores. O Indepaz (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz) destaca a redução das mortes de líderes sociais —de 308 em 2020 para 35 em 2022. Massacres devido a demarcações de território também decaíram, ainda que o número siga assustador: de 381 em 2020 para 90 em 2022.

Mesmo assim, é difícil não concordar com Santos em datas como aquela que marca um ano da entrega do relatório da Comissão da Verdade, que se propôs a recontar a história de cinco décadas de violência na Colômbia a partir dos relatos das vítimas. A intensa pesquisa, parte da determinação dos acordos de paz, resultou em 11 volumes de informação. Também foi disponibilizada em um site que já teve mais de 1,7 milhão de visitas em um ano, o que significa mais de 13 mil acessos diários. Entre os que buscam informação ali há parentes de vítimas, pesquisadores, acadêmicos e cidadãos comuns.

No evento de celebração do marco, o padre Francisco de Roux, líder da comissão, disse ser necessário envolver mais a sociedade e não deixar que o trabalho vire terreno de disputas políticas, já que se trata de uma conquista do Estado. "Não podemos mais andar em 'modo guerra' após termos acabado com a guerra."

As atenções agora estão voltadas à mesa de negociações do governo colombiano com o ELN (Exército Nacional de Libertação), que vem avançando em Havana. Ambos acabam de assinar um cessar-fogo bilateral.

Outro órgão criado pelos pactos de 2016 foi a Justiça Especial para a Paz, que julga apenas pessoas —ex-guerrilheiros e militares— que buscam reduzir suas penas por meio da colaboração com as investigações.

Com muitas dificuldades e saídas de alguns magistrados devido a acusações de corrupção, a JEP hoje tem 62% de aprovação popular. No último dia 29, conseguiu reunir evidências para colocar no banco dos réus, pela primeira vez, um político. Trata-se do ex-congressista Luis Fernando Almario, acusado de ter se aliado à guerrilha com propósitos políticos, isto é, eliminar uma agrupação política rival. A morte de dezenas de funcionários públicos, militantes e ativistas inimigos de Almario ocorreu no Estado amazônico de Caquetá. O ex-deputado agora enfrentará um julgamento por crimes contra a humanidade.

O caminho à "paz total" que anseia o atual presidente, Gustavo Petro, é esburacado e esbarra em sua desaprovação, que já chega a 61% em menos de um ano no cargo segundo dados da Invamer. O caso é que os diferentes processos de paz, assim como aconteceu com o das Farc, deveriam ser abraçados pela sociedade como o que são: acordos com o Estado colombiano, independentemente de quem governe. O próprio Petro às vezes parece precisar ser lembrado disso, de modo a parar de usá-los como política partidarista.

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