Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu Argentina América Latina

Revisionismo da repressão na ditadura reposiciona vice da Argentina

Nenhum governo democrático do país vizinho relativizou tanto o papel do Estado como violador de direitos humanos como esta gestão

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Até hoje nenhum governo democrático argentino, desde o término da ditadura militar (1976-1983), havia questionado de maneira tão firme o fato de que, no período, houve repressão política e milhares de vítimas, como na atual gestão de Javier Milei.

A visão do chefe de Estado se baseia na obsoleta "teoria dos dois demônios", segundo a qual o que ocorreu nos anos da repressão teria sido um conflito entre forças equitativas (Forças Armadas e um Exército e alguns grupos guerrilheiros), e não o ataque do Estado contra parte de sua população, usando toda sua estrutura para sequestrar, torturar, lançar opositores de "voos da morte" e sequestrar bebês.

O presidente da Argentina, Javier Milei, e sua vice, Victoria Villarruel, comparecem a um desfile militar em Buenos Aires - Matias Baglietto - 9.jul.2024/Reuters

Milei contesta a escala da tragédia e considera que grupos armados teriam causado tanta devastação quanto tanques e aviões do Estado. Na prática, porém, Milei não faz mais do que usar sua explosiva retórica nessa questão tão cara aos argentinos.

Dentro do Estado, quem, de fato, leva adiante o revisionismo é sua vice, Victoria Villarruel. Para ela, trata-se de uma agenda pessoal.

Nascida em uma família militar, com parentes vinculados a causas da repressão e outros que participaram da Guerra das Malvinas, Villarruel conhece muitos desses criminosos desde sua infância. Com frequência foi visitar atrás das grades figuras como o ditador Jorge Rafael Videla (1925-2013).

Entre os grupos dos quais participa está o Celtyv, associação que busca "reparar as vítimas do Estado". Villarruel viajou o mundo com essa agenda, o que a transformou em quadro importante do recém-nascido A Liberdade Avança, de Milei.

Villarruel não é, porém, figura de grande poder dentro do círculo de decisões. O próprio presidente costuma deixá-la fora de eventos importantes, como efemérides, viagens e reuniões de gabinete. Isso ocorre, principalmente, porque seu perfil bate de frente com o da irmã de Milei, Karina, a secretária-geral da Presidência e quem comanda sua agenda.

Nas últimas semanas, Villarruel promoveu uma visita de membros do A Liberdade Avança a uma das prisões onde estão os genocidas.

Em um discurso firme, defendeu o reinício dos julgamentos de ex-opositores do regime. Os ex-guerrilheiros também foram julgados nos anos 1980, ainda durante a gestão de Raúl Alfonsín (1927-2009), e muitos deles cumpriram pena de prisão. Porém, as várias políticas de indulto, entre elas a de Carlos Menem (1930-2021), acabaram deixando-os livres.

Tanto uma anistia a repressores como um novo julgamento de combatentes servem na disputa pelos espaços políticos no governo. Nas últimas vezes em que apareceram de modo mais articulado, as propostas foram rejeitadas pela população. Em 2017, quando a Corte Suprema sugeriu a redução de penas para muitos dos perpetradores (a chamada lei 2x1), as manifestações populares foram tão intensas que obrigaram o tribunal a recuar.

Ainda assim, o retorno vez por outra dessa questão à pauta do debate político mostra uma ferida aberta que, a essa altura, só se fecharia com um conhecimento mais amplo do que ocorreu. Isso já não é mais possível, principalmente porque faltam bons estudos independentes sobre o período e porque militares destruíram evidências que permitiriam dar a dimensão exata das mortes.

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