O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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Ignoro, dou um block ou mando para aquele lugar?

Paulo está se perguntando o que fazer quando fantasmas voltam

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Paulo conta que sofreu "ghosting" do seu melhor amigo de infância: "Fui vítima de um desaparecimento repentino e sem aparente razão. Eu conhecia o cara há mais de 40 anos. Fiquei profundamente chateado e incomodado, até porque, aos 50, são poucos os velhos amigos e raras as chances de conhecer gente nova que me agrade a ponto de eu sair contando tudo sobre a minha vida."

Acho interessante como Paulo conta que foi vítima de um "desaparecimento" e logo na sequência usa a palavra "aparente". Quando um amigo dessa importância vai embora, parece que nós (ou pelo menos parte da nossa história) também deixamos de existir. Amizades longas ou essenciais que se encerram dão uma sensação terrível de que enfiaram a mão dentro da gente, arrancaram uma porcentagem bem significante do nosso HD e arrastaram sem dó para o lixo.

Paulo, querido, você só está na coluna O Pior da Semana porque seu ex-melhor amigo mereceu demais o título. Até entendo uma pessoa desistir de outra, vai ver você é tão insuportável quanto eu. Contudo, acho péssimo que a gente não possa ser convidado para o término de uma amizade que lá atrás precisou de duas pessoas para que acontecesse. Que ele ao menos tivesse dito na sua cara "eu não quero mais", como fez o brilhante personagem de Brendan Gleeson para Colin Farrell no filme "Banshees de Inisherin".

Hoje, aos 44 anos, eu tenho muitos novos amigos e outros feitos de uns quinze ou vinte anos para cá. Mas amigo de infância, que é uma raridade invejável, me restou zero. Sigo uns três ou quatro nas redes sociais, mando parabéns em aniversários, mas não animaria em vê-los para além das fotos e textos em que replicam tantos discursos conservadores e cheios de platitudes. São pessoas que não têm mais nada a ver comigo.

Observo com fascinação e olho gordo (sempre bom admitir que sentimos coisas ruins todos os dias) minhas amigas que, em momentos de tensão ou drama, mandam áudios para essas criaturas amadas e conhecidas profundamente desde o Jardim 2. Sempre acho que o felizardo que chegou até a maturidade com um amigo de infância sabe muito pouco sobre solidão. A mesma sorte para as pessoas que têm uma convivência vigorosa e salubre com bons irmãos.

Já eu sou filha única, o que dá uma sensação indigesta de que a minha memória de brincadeiras, viagens para hotéis fazenda, primeiras paixõezinhas, notas vermelhas e momentos tristíssimos, como o do falecimento do meu avô, são de responsabilidade única e exclusiva do meu cérebro pós-três Covids.

Muitas vezes eu não lembro mais quem eu sou e adoraria poder perguntar para alguém o que mesmo eu diria, se eu fosse eu mesma.

Paulo, como um bom neurótico, passou cinco anos se perguntando o que de tão errado pode ter feito, conversou com uma infinidade de outros colegas para tentar compreender sua parte neste latifúndio de abandono e dor que é o fim de uma parceria fraterna.

E, justo agora, quando já estava mais conformado e tocando sua vida, o camarada fantasminha cara de pau mandou apenas um "oi", como se nada tivesse acontecido. Ao que Paulo se pergunta, com razão: "Ignoro, dou um block ou mando para aquele lugar?"

Paulo, essa é a pergunta que 10 entre 10 mulheres já se fez, ao receber mensagens de uns tipos que a priori pareciam umas maravilhas e que decidiram dar hiatos de muitos meses ou alguns anos entre o "não vivo sem você" e o famoso "oi sumida". Acho que o mau amigo merece da sua parte o mesmo que o feminismo me ensinou que os machistas merecem: não passarão! (e também manda pra aquele lugar, claro).


Tati Bernardi responde às perguntas mais inusitadas e aos comentários mais estranhos de seus leitores. Quer participar da coluna O Pior da Semana? Envie sua mensagem para tati.bernardi@grupofolha.com.br

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