O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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Ser escritor: mais chatices ou mais glamour?

José Eduardo quer saber como é o dia a dia de quem escreve para ganhar a vida

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José Eduardo me escreve contando suas fantasias sobre o dia a dia de um escritor. Leitor de John Fante desde a adolescência (eu também!) diz que sempre se imaginou angustiadíssimo, bebendo uísque, em um apezinho no centro, com as paredes lotadas de livros. Nas festinhas ele seria misterioso e inatingível e todas as moças o desejariam. Daí José Eduardo chegou aos 65 anos sem nunca publicar um livro. Não se tornou, pelo menos até agora, um escritor. E quer saber se a minha vida de escritora tem mais chatices ou mais glamour.

Glamour não é uma boa palavra para definir a rotina de quem escreve. O escritor, sobretudo o brasileiro, vai precisar atirar para muitos lados caso tenha como meta o mínimo de conforto. Eu também sou roteirista, redatora, resenhista, apresentadora, palestrante, podcaster, videocaster e até umas publis estranhas acabo fazendo. A lógica é burra: tenho dez empregos para poder sustentar a minha carreira literária, mas não entrego um livro há cinco anos.

Caderno MBA 2020
Eu escrevo porque quando vou ver já estou escrevendo ou já escrevi - Catarina Pignato

Uma coisa pentelhíssima na vida de todo escritor: o amigo dele que tem um primo que tem um conhecido que tem um livro horroroso e precisa de ajuda. Todo mundo acha que escreve e todo mundo que acha que escreve vai enlouquecer a vida de alguém que, não exatamente tranquilo psiquicamente e realizado financeiramente, precisa de tempo e silêncio para exercer seu ofício de escritor sem que lhe encham o saco com livros medonhos.

Outra coisa muito enfadonha na vida de um escritor é ser obrigado a cruzar em festinhas com os escritores que se consideram "sérios". Geralmente pessoas que postam seus prêmios junto com uma vaquinha que fizeram para pagar as parcelas de uma geladeira. Se você escrever sobre você mesmo ou arriscar textos de humor ou tiver um público considerável que consome suas paradas, vai ter sempre uma tradutora-poeta-acadêmica ou um professor-ensebado-alcoolizado que vai te olhar como se você fosse um arremedo de boneco do Mickey enquanto eles performam a simpatia de legítimas estátuas da Berlim comunista. E não que isso me faça perder o sono, mas me faz perder as festas. Tenho cada vez mais preguiça de conviver com frustrados arrogantes que culpam "a estupidez da massa" por não terem ar-condicionado.

Tenho lombalgia, cervicalgia, fibromialgia e enxaqueca há dez anos. Culpa de muitas horas sentada no escritório. Torro meu dinheiro em médicos, fisioterapias, massagens e acupunturas. Está mais para chato do que para glamouroso. E agora, José?

Mas na real, o que fiquei com vontade de responder, é que eu escrevo porque quando vou ver já estou escrevendo ou já escrevi. Não porque antes comprei um apezinho no centro e forrei as paredes com livros e então me servi uísque e depois fui a uma festa ser vista como uma mente atormentada charmosa. Escrevo porque é isso ou passar mal. Contudo, eu me imagino riquíssima cantora com fama internacional, comediante standuper aplaudida de pé em estádio lotado, gostosíssima dançarina de puteiro refinado. E é sempre tão glamouroso.


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