O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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Toda mulher branca está cansada?

Mas será que não somos também ridículas? Me sinto uma replicadora de frufru neon da Pakalolo e não uma feminista

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Eliza me escreve perguntando se estou cansada. Eliza, eu estou exausta. Minhas amigas brancas paulistanas da zona oeste estão pela hora da morte. E nos encontramos e pipipipópópó, estamos caindo pelas beiradas. Vamos surtar. Vamos nos internar. Precisamos parar e blá blá blá, o patriarcado e o neoliberalismo.

O sofrimento norteia muitas de nós, mulheres comunicadoras. Somos "personalidades relevantes" graças ao machismo, ao cansaço e as doenças autoimunes. Não fosse o patriarcado, a carga mental e um corpo inflamado, quem seríamos nós no Instagram? E sem o Instagram, quem seríamos nós como comunicadoras? Sobre o que conversaríamos em portais femininos? Que palminhas teríamos hoje se não estivéssemos inchadas, doentes e abusadas?

pintura a óleo mostra mulher branca deitada em uma cama; ela é pálida, está com as mãos retorcidas e semblante de exaustão; parece que vai morrer a qualquer momento
Quadro "Uma Jovem Em Seu Leito de Morte", de 1621 - Reprodução/Musée des Beaux-Arts de Rouen

Toda mulher com mais de mil seguidores resolveu repetir incansavelmente que está cansada. Virou uma espécie de lugar no mundo, de pele existencial, de moradia psíquica. E tenho certeza absoluta de que elas estão falando a verdade. Eu estou falando a verdade. Sonhei que tinha sido internada para tomar soro e ficava imóvel por três dias porque estava apenas morta de cansaço.

Descobrimos que estamos exaustas, falamos sobre isso, tivemos o gostinho de pertencer a um movimento necessário chamado "mulheres estão cansadas e falam sobre isso". Mas agora já estou exausta de tanta mulher cansada. Fiquei cansada do meu cansaço, de falar sobre o meu cansaço e de ouvir toda mulher cansada falar sobre seu cansaço. Desse time que formamos de mulheres colapsadas brancas doentes que, não tenho nenhuma dúvida, também sofrem. Mas será que não somos também ridículas?

Todas as mulheres que conheço usam roupas confortáveis e largas, daquele tipo de algodão que "não mata arara", já enfrentaram 89 relações tóxicas, foram diagnosticadas com alguma doença da moda e têm uma tatuagem geométrica com simbologia muito afetiva e particular. Eu inclusa nisso tudo. E que lindo falar SOBRE, que importante, mas tem horas que ser uma feminista branca paulistana dando a real é tipo usar Pakalolo nos anos 1990. Eu me sinto uma replicadora de fru-fru neon da Pakalolo, e não uma feminista.

Não aguento mais entrevistar mulher igual, talvez iguais a mim. Socorro, eu me sinto ridícula e acho todo mundo ridículo. Todo mundo que frequenta minha casa, todo mundo que eu sigo. Deu errado, gente. Gente: deu errado. Nota mental: não escrever colunas nas manhãs em que me sinto assim.

Não me suporto mais falando que estou cansada e não suporto mais nenhuma pessoa que está cansada. Mas em nenhum momento eu duvido do meu cansaço ou do seu cansaço. Porém, sei lá, pensa bem, a gente é muito ridículo. Esse parágrafo é redundante de propósito.

Vamos abrir nosso recebidinho de creme, de chá, de rotina de autocuidado, de skincare da guerreira exausta de Pinheiros, vamos viajar pelo Brasil dando a palestra "Mãe exausta" e vamos levar a babá.

Vocês dormem à noite, influenciadoras brancas cansadas (eu inclusa, sempre bom lembrar)? Digo, para além da insônia que vocês têm e eu também tenho, vocês não se acham ridículas?

O Instagram é o "novo dinheiro novo", a militância virou empregatícia, o capitalismo tardio se tornou o "novo capitalismo de dar a real". Acabou o que nos restava de decência intelectual. É o dinheiro cagado com roupinha sustentável de dinheiro cagado. Tudo isso que é mais ou menos novo é ridículo, mas o velho era pior. Força, guerreira branca de Pinheiros! Mas tudo bem se você ficar cansada, porque "está tudo bem não estar tudo bem".

Arghhhh! Você não cansa do quanto foi original dizer algumas dessas coisas e do quanto virou "um lugar midiático altamente monetizável" seguir dizendo? Bocejos exaustos para todos nós.


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