Numa conversa com o professor Kishore Mahbubani, o ex-diplomata de Singapura me contou um episódio em que uma de suas estagiárias mais brilhantes, uma chinesa, revelou-lhe uma grande frustração.
A moça havia terminado o ensino médio na China como a segunda melhor aluna da sua escola. Estava desapontada. Ficar em segundo lugar não era, em si, o problema. A frustração era porque apenas o primeiro colocado da escola era convidado para ingressar no Partido Comunista Chinês.
Apesar de 95 milhões de chineses serem membros da sigla, ser aceito no clube é difícil. Em 2019, 19 milhões de pessoas pleitearam filiação ao partido. A taxa de sucesso foi de 12,3%. O processo pode durar até três anos.
Olhando de longe, seria quase intuitivo pensar que os jovens quisessem manter distância do PC Chinês, visto normalmente como sisudo, hierárquico, dominado por sexagenários e no qual as promoções são associadas a idade e experiência.
O partido centenário, no entanto, mantém seu apelo entre os jovens. Um quarto dos membros da sigla tem menos de 35 anos. O interesse em ingressar na legenda chegaria a 80% entre estudantes de certas universidades.
Por que o interesse? O que os jovens de hoje buscam com a carteirinha de sócio do clube? Aspirações grandiosas ou convicções ideológicas contam apenas uma parte da história. Apesar de ser difícil medir os reais motivos, estudos indicam razões muito práticas por trás das candidaturas.
Ser aceito no partido representa literalmente uma estrela no currículo. Ajuda na carreira no serviço público ou numa empresa estatal e também no setor privado. Posições de comando no governo são quase sempre ocupadas por membros. Postos de liderança em universidades e hospitais, idem. Curiosamente, há vagas no setor privado limitadas a membros. A gigante de tecnologia Baidu chamou a atenção no ano passado devido a essa exigência para uma posição na área de relações governamentais. Não foi a única.
Os contatos facilitados pelo pertencimento ao clube melhoram as perspectivas profissionais em qualquer ramo. E o chamado "guanxi" —conexões pessoais— tem grande valor na China.
Ser vinculado ao partido é também sinal de prestígio. Combinado a boas credenciais acadêmicas, o título de membro faz o currículo de um jovem se destacar. Se a legenda sabe ser pragmática, a juventude chinesa também.
No entanto, é incorreto pensar que tudo se resume a uma perspectiva utilitarista; que todos buscam o partido por ganhos individuais. O interesse também é motivado por idealismo, que se mistura a crenças políticas e ideológicas cultivadas com afinco desde a pré-escola.
Na falta de alternativas reais, muitos optam por se juntar ao clube para dar sua contribuição a causas cujas fronteiras são deliberadamente borradas —a do partido, a do país e a da sociedade. A devoção ao PC Chinês é promovida como sinal de devoção aos demais.
Não apenas os jovens se interessam pelo partido, mas o partido também cultiva o interesse dos jovens. A Liga da Juventude Comunista tem mais de 109 milhões de membros, de 14 a 28 anos. Recrutar bons quadros é importante na lógica da tecnocracia chinesa. Ademais, a longevidade da sigla é em parte explicada pela sua capacidade de se adaptar a novas circunstâncias. Essa característica poderia ser reforçada com a presença dos jovens.
O Partido Comunista Chinês tem como objetivo-slogan atingir o “grande rejuvenescimento da nação chinesa” em outro centenário, o da fundação da República Popular da China, em 2049. Sabe que não fará o rejuvenescimento sem os jovens, especialmente os mais preparados. Em que comunismo eles acreditam é outra história.
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