Quem já esteve nos arredores de cidades chinesas possivelmente viu os conjuntos habitacionais enormes que se constroem aqui. Não é raro passar por condomínios com duas ou três dezenas de torres altíssimas, possivelmente de mais de 30 andares. Muitas vezes elas têm aparência de recém-construídas. Outras vezes, em construção. Com frequência, há poucas pessoas, carros ou vida ao redor.
A China teria residências prontas para abrigar 90 milhões de pessoas, segundo dados citados pelo Financial Times. Seria o suficiente, como nota o jornal britânico, para acomodar, em apartamentos vazios, as populações de países como França, Itália, Canadá ou Reino Unido.
Fala-se há tempo que haveria uma bolha imobiliária no país. E previsões de que ela estaria prestes a estourar vêm sendo desbancadas pela realidade também há anos.
Paradoxalmente, a imensidão de prédios vazios convive com uma reclamação recorrente dos chineses: o custo alto da moradia. E a cultura local valoriza a aquisição de imóveis. Chineses economizam sobretudo para isso. A expectativa aqui é a de que, antes de se casar, o homem tenha casa própria.
Apesar disso, é muito recente o mercado de imóveis residenciais nas cidades chinesas. Até o final dos anos 1990, a maioria dos residentes urbanos vivia em apartamentos que lhes eram designados por suas unidades de trabalho.
Em 1998, empresas estatais e órgãos do governo foram instruídos a vender essas residências, oferecendo-as, a preços baixos, aos então ocupantes. Pouco tempo depois de comprar o imóvel, havia gente querendo vendê-lo e investir em outro. A urbanização acelerada também impulsionou a demanda. E a oferta disparou. Assim se deu o maior boom de construção residencial de toda a história, conta Arthur Kroeber no livro “China’s Economy”.
Hoje, há claramente desajustes no mercado imobiliário chinês. O governo busca corrigir a raiz das distorções —como o crédito fácil para incorporadoras e o ímpeto dos governos locais em vender terrenos para fazer caixa, favorecendo projetos sem viabilidade econômica.
Ao mesmo tempo, as autoridades querem conter os preços dos imóveis nos centros urbanos. O bordão é: “Casa é para morar, não para especulação”. Para desaquecer o mercado, há cidades em que a revenda de um apartamento só pode acontecer depois de alguns anos da aquisição. Em outros casos, definiu-se um percentual, alto, que deve ser pago como entrada na aquisição de um imóvel, especialmente se for o segundo de um mesmo proprietário.
O caso Evergrande fortalecerá aqueles que defendem mais limites à atuação do setor privado, na linha do que Pequim tem feito nos últimos meses. O episódio dará força aos que se incomodam com empresas grandes demais —no caso da Evergrande, com capacidade de assumir dívidas correspondentes a cerca de 2% do PIB chinês.
Além do risco de contágio financeiro e da pressão sobre a atividade econômica, a possibilidade de calote traz repercussões políticas e sociais que não convêm ao partido.
“Prosperidade comum”, slogan do momento, não combina com 1,6 milhão de investidores individuais que pagaram por apartamentos hoje inacabados. Pior ainda se a construtora sob risco de calote é liderada por um bilionário de hábitos extravagantes, como é o caso de Xu Jiayin.
Se a coexistência de prédios vazios e residências inacessíveis já não bastasse, o caso Evergrande evidencia que a regulação e os incentivos econômicos existentes não favorecem o desenvolvimento saudável do setor imobiliário chinês. Ao mesmo tempo, ele tem servido, há anos, como motor importante da economia do país.
Por mais que o foco chinês agora seja na qualidade em vez da quantidade do crescimento, é grande o desafio de colocar a casa em ordem sem comprometer desnecessariamente o PIB.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.