Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China Ásia

Chance de calote no caso Evergrande traz repercussões que não convêm ao Partido Comunista

'Prosperidade comum' não combina com 1,6 milhão de pessoas que pagaram por apartamentos hoje inacabados

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Quem já esteve nos arredores de cidades chinesas possivelmente viu os conjuntos habitacionais enormes que se constroem aqui. Não é raro passar por condomínios com duas ou três dezenas de torres altíssimas, possivelmente de mais de 30 andares. Muitas vezes elas têm aparência de recém-construídas. Outras vezes, em construção. Com frequência, há poucas pessoas, carros ou vida ao redor.

A China teria residências prontas para abrigar 90 milhões de pessoas, segundo dados citados pelo Financial Times. Seria o suficiente, como nota o jornal britânico, para acomodar, em apartamentos vazios, as populações de países como França, Itália, Canadá ou Reino Unido.

Edifícios residenciais em construção pela Evergrande na provínvia de Jiangsu, na China - Aly Song - 23.set.21/Reuters

Fala-se há tempo que haveria uma bolha imobiliária no país. E previsões de que ela estaria prestes a estourar vêm sendo desbancadas pela realidade também há anos.

Paradoxalmente, a imensidão de prédios vazios convive com uma reclamação recorrente dos chineses: o custo alto da moradia. E a cultura local valoriza a aquisição de imóveis. Chineses economizam sobretudo para isso. A expectativa aqui é a de que, antes de se casar, o homem tenha casa própria.

Apesar disso, é muito recente o mercado de imóveis residenciais nas cidades chinesas. Até o final dos anos 1990, a maioria dos residentes urbanos vivia em apartamentos que lhes eram designados por suas unidades de trabalho.

Em 1998, empresas estatais e órgãos do governo foram instruídos a vender essas residências, oferecendo-as, a preços baixos, aos então ocupantes. Pouco tempo depois de comprar o imóvel, havia gente querendo vendê-lo e investir em outro. A urbanização acelerada também impulsionou a demanda. E a oferta disparou. Assim se deu o maior boom de construção residencial de toda a história, conta Arthur Kroeber no livro “China’s Economy”.

Hoje, há claramente desajustes no mercado imobiliário chinês. O governo busca corrigir a raiz das distorções —como o crédito fácil para incorporadoras e o ímpeto dos governos locais em vender terrenos para fazer caixa, favorecendo projetos sem viabilidade econômica.

Ao mesmo tempo, as autoridades querem conter os preços dos imóveis nos centros urbanos. O bordão é: “Casa é para morar, não para especulação”. Para desaquecer o mercado, há cidades em que a revenda de um apartamento só pode acontecer depois de alguns anos da aquisição. Em outros casos, definiu-se um percentual, alto, que deve ser pago como entrada na aquisição de um imóvel, especialmente se for o segundo de um mesmo proprietário.

O caso Evergrande fortalecerá aqueles que defendem mais limites à atuação do setor privado, na linha do que Pequim tem feito nos últimos meses. O episódio dará força aos que se incomodam com empresas grandes demais —no caso da Evergrande, com capacidade de assumir dívidas correspondentes a cerca de 2% do PIB chinês.

Além do risco de contágio financeiro e da pressão sobre a atividade econômica, a possibilidade de calote traz repercussões políticas e sociais que não convêm ao partido.

“Prosperidade comum”, slogan do momento, não combina com 1,6 milhão de investidores individuais que pagaram por apartamentos hoje inacabados. Pior ainda se a construtora sob risco de calote é liderada por um bilionário de hábitos extravagantes, como é o caso de Xu Jiayin.

Xu Jiayin, fundador e presidente da Evergrande - 14.set.21/AFP

Se a coexistência de prédios vazios e residências inacessíveis já não bastasse, o caso Evergrande evidencia que a regulação e os incentivos econômicos existentes não favorecem o desenvolvimento saudável do setor imobiliário chinês. Ao mesmo tempo, ele tem servido, há anos, como motor importante da economia do país.

Por mais que o foco chinês agora seja na qualidade em vez da quantidade do crescimento, é grande o desafio de colocar a casa em ordem sem comprometer desnecessariamente o PIB.​

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