Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Como criar filhos, segundo o governo chinês

Pequim define limite para jogos online, tarefas escolares e culto de celebridades

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Novidades aguardavam os alunos chineses na volta às aulas, o que aconteceu nesta semana em todo o país. Havia mudanças nas escolas e fora delas.

O governo adotou regras para restringir o tempo que menores de 18 anos podem passar jogando videogames. O teto é de uma hora por dia às sextas, aos sábados e aos domingos e feriados. Autoridades receiam que a molecada esteja ficando viciada em jogos eletrônicos.

Adolescentes jogam videogame em café em Fuyang, na China
Adolescentes jogam videogame em café em Fuyang, na China - 20.ago.18/Reuters

Também agora o governo resolveu impor limites ao culto de celebridades. Entende que há excessos na idolatria de cantores, atores e influenciadores digitais. Que fã-clubes infantojuvenis não agregam muito aos fãs. Que o comportamento dos famosos não costuma constituir um bom exemplo.

Ainda nos últimos dias, o governo adotou parâmetros para as tarefas escolares. Ao determinar os deveres de casa dos alunos, os professores têm de levar em conta um limite máximo de tempo para diferentes faixas etárias. Além disso, provas estão proibidas para menores de seis anos.

Se as crianças não devem passar tempo demais jogando videogame nem seguindo celebridades na internet, tampouco podem estudar de maneira obsessiva.

O segredo estaria na moderação. A grande questão é que não são os pais que definem o que é equilibrado, saudável ou apropriado. São as autoridades que, olhando para o conjunto, determinam o que os indivíduos devem fazer, inclusive no que diz respeito à criação dos filhos. O Estado não apenas define quantos filhos um casal pode ter, mas também a que horas eles podem jogar videogame.

O modelo chinês seguramente causa espécie a muitos que vivem em democracias liberais. Ao mesmo tempo, aposto que muitos pais de todas as partes adorariam que as empresas de games tivessem a obrigação de limitar o tempo de jogo dos filhos. Ou que os gigantes de mídia social não ficassem, via algoritmos, abastecendo enlouquecidamente o feed da criançada com as últimas novidades do mundo das celebridades.

Na minha amostra absolutamente não científica, os pais chineses acham bom que o governo os ajude nessas tarefas. Mas até onde vai a microgestão do Estado na vida das famílias?

A próxima fronteira são os algoritmos. Segundo uma consulta pública recém-aberta, o governo pretende adotar legislação para coibir algoritmos que sejam viciantes. Quer também permitir que os usuários tenham a opção de desligar recomendações baseadas em algoritmos, ou seja, que não recebam publicidade ou conteúdos personalizados. Ao mesmo tempo, o governo poderia promover, em nome da harmonia social, conteúdos do seu interesse ao definir parâmetros sobre algoritmos.

Talvez por pragmatismo ou resignação, essas questões não parecem tirar o sono dos chineses. Ou talvez, em parte, porque eles têm uma relação muito diferente com o Estado. O ponto de partida é um grau elevado de confiança de que o governo busca fazer a coisa certa. A tradição de respeito à autoridade, de base confucionista, também contribui para essa atitude.

Sinto que, para pais chineses, a ideia de que empresas administrem livremente o que aparece no feed dos seus filhos preocupa mais do que a possibilidade de o Estado definir parâmetros para os algoritmos. Inclinam-se a confiar mais nas autoridades do que nas empresas.

Enquanto a vida das pessoas estiver melhorando e as decisões do governo coincidirem com os instintos dos chineses, as autoridades cultivam a ideia de que elas fazem parte da família e, portanto, têm direito a dar palpites e impor limites.

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