Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

China corre riscos com 'neutralidade pró-Rússia' na guerra

Conflito na Ucrânia pode provocar reconfiguração geopolítica desfavorável a Pequim; cenário muda se país fizer mediação

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Não invejo o trabalho dos diplomatas chineses que, todos os dias, realizam uma entrevista coletiva na sede da chancelaria em Pequim. Eles têm suado para acomodar, numa narrativa coerente, os interesses conflitantes do país a respeito da guerra na Ucrânia.

Pequim defende o princípio da integridade territorial, que vale para a Ucrânia —mas também se aplica à própria China em relação a Taiwan, porque, afinal, é sacrossanto o princípio de um único país. Ao mesmo tempo, os porta-vozes da diplomacia evitam a todo custo usar a palavra invasão para o que ocorre no Leste Europeu, lembrando a parceria "sólida como uma rocha" com a Rússia.

O líder chinês, Xi Jinping, em conferência na China de terno sobre fundo vermelho
O líder chinês, Xi Jinping, em conferência na China - Carlos Garcia Rawlins - 4.mar.2022/Reuters

Diante de perguntas difíceis sobre como conciliar as duas posições, eles enfatizam as responsabilidades da Otan e dos EUA pela crise e repetem críticas sobre alianças militares e a mentalidade de Guerra Fria.

Aos questionamentos mais incisivos, recorrem à técnica de devolver perguntas: e os EUA no Afeganistão? E no Iraque? E o bombardeio da embaixada chinesa pela Otan em Belgrado nos anos 1990? Apesar de legítimas, as provocações não resolvem a questão do momento: a posição da China diante da guerra na Ucrânia.

Objetivos políticos distintos puxam o posicionamento chinês em sentidos contrários. Equilibrando múltiplos interesses, Pequim optou por alegar neutralidade —o que foi batizado de neutralidade pró-Rússia. O paradoxo reflete as tensões da própria posição chinesa.

A tal neutralidade simpática a um lado implica riscos, e aqui destaco um deles.

É perigosa a deterioração das relações entre China e Europa. Se a guerra aproxima Moscou de Pequim, ela também fortalece os laços entre europeus e americanos, além de dar fôlego novo à Otan.

Uma dinâmica global opondo, de um lado, União Europeia e EUA e, de outro, Rússia e China, é altamente problemática para os interesses de Pequim. A China não pode se dar ao luxo de alienar a Europa —o que aliás era o pano de fundo da videoconferência de Xi com Macron e Scholz na última terça-feira (8).

A posição europeia, no momento atual, passa a ser ainda mais importante na reconfiguração geopolítica que se desenha. E a postura da China sobre a guerra não cai bem por lá. Além das imagens brutais do conflito na televisão e nas redes, os europeus estão assistindo a uma onda de 2 milhões de refugiados ucranianos em seu território.

Mesmo que discreto, o apoio de Pequim à Rússia tem impactos na Europa mais do que em qualquer outra parte. Globalmente, mas especialmente na UE, a posição da China influencia sua reputação, com potenciais impactos geopolíticos de peso.

Esse cenário se altera se a China vier a exercer um papel de mediação no conflito. Pequim sai ganhando se esse relativo distanciamento de hoje lhe permitir facilitar um entendimento diplomático, se servir para tirar Putin do isolamento e viabilizar o fim das hostilidades. Para um país como a China, diante de um conflito como esse, ou a neutralidade serve a uma boa causa ou pode prejudicar seus interesses.

Se é certo que a China pode colher ganhos circunstanciais, a possibilidade de que a guerra leve a uma reconfiguração geopolítica que resulte desfavorável ao país precisa ser computada no balanço final. Enquanto as autoridades fazem seus cálculos e buscam conciliar objetivos distintos, há muito trabalho para quem precisa comunicar a posição de Pequim para o mundo.

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