China fala com Ucrânia, muda tom da diplomacia e promete esforços para fim da guerra

Diplomacia de Pequim expressa solidariedade a Kiev, mas sem melindrar a Rússia de Putin

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BAURU (SP) e São Paulo

O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, conversou por telefone com o chanceler da Ucrânia —a convite deste— nesta terça-feira (1º), no primeiro diálogo formal entre os dois países desde que a Rússia deu início à guerra, na última semana.

A conversa, de acordo com os relatos oficiais de ambas as diplomacias, sinaliza uma mudança de tom na abordagem chinesa ao conflito. Pequim é aliada de Moscou e, até agora, absteve-se de condenar a invasão nas reuniões do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Na ligação, não houve qualquer crítica por parte de Wang à ofensiva militar da Rússia ou ao presidente Vladimir Putin. Mas o chinês expressou algum nível de solidariedade a seu homólogo em Kiev ao se dizer "extremamente preocupado com os danos aos civis" da Ucrânia.

O dirigente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante cerimônia em Pequim, em fevereiro - Li Tao - 4.fev.22/Xinhua

Em comunicado, o governo ucraniano afirmou que o chanceler Dmitro Kuleba, por sua vez, pediu aos chineses que usem os laços com o governo russo para tentar acabar com a guerra. Kuleba teria recebido em resposta a promessa de que a China fará "todos os esforços" para resolver o conflito por meio da diplomacia.

Wang voltou a pedir uma solução baseada no diálogo, dizendo que apoia os esforços internacionais para uma resolução política. Isso ecoa a posição que, segundo Pequim, foi expressa pelo dirigente Xi Jinping em conversa com Putin na semana passada. O líder chinês teria dito que "apoia a Rússia e a Ucrânia para que elas resolvam os problemas por meio de negociações".

De acordo com o comunicado da diplomacia chinesa, Kuleba repassou a Wang "os resultados da primeira rodada de negociações entre a Ucrânia e a Rússia". Pode-se inferir, porém, que o ucraniano não teve muito a dizer nesse sentido. Representantes de Putin e de Volodimir Zelenski se reuniram na Belarus nesta segunda-feira (28), mas a mesa, que reuniu figuras importantes de ambos os países, terminou sem avanços. O único consenso foi sobre a necessidade de um segundo encontro, que deve ocorrer nesta quarta-feira (2), segundo a imprensa ucraniana e a Tass, agência russa de notícias.

Em um afago a Pequim, Kuleba teria dito que "a China desempenhou um papel construtivo" a favor do objetivo de acabar com a guerra, descrito pelo chanceler como a principal prioridade da Ucrânia.

De Wang, o representante de Kiev recebeu solidariedade. "A China está profundamente triste ao ver o conflito entre a Ucrânia e a Rússia e muito preocupada com os danos causados ​​aos civis", disse o chinês, acrescentando que a posição de Pequim em relação à crise é "aberta, transparente e consistente".

"Sempre defendemos o respeito pela soberania e pela integridade territorial de todos os países", continuou Wang, emendando o ponto em que mais perto chegou de fazer alguma crítica à Rússia —embora não a tenha citado nominalmente. "A China sempre acreditou que a segurança de um país não deve ser alcançada às custas da segurança de outros países e que a segurança regional não pode ser alcançada pela expansão de blocos militares."

Para o ex-diplomata Fausto Godoy, coordenador do Centro de Estudos das Civilizações da Ásia da ESPM, os sinais da mudança de postura diplomática chinesa têm como pano de fundo a relação do regime de Xi Jinping com territórios que são pontos sensíveis na história do país, como Taiwan, Hong Kong, Tibete, Xinjiang e o mar do Sul da China.

No caso de Taiwan, por exemplo, a China considera a ilha uma província rebelde, porém parte inalienável do seu território. "A invasão da Rússia na Ucrânia significa a intromissão de um país nos assuntos internos de outro por meio da guerra. E tudo o que a China não quer é que isso aconteça com ela", diz Godoy.

Para ele, no momento em que o conflito se agravou, Pequim se sentiu ameaçada. Se demonstrasse apoio incondicional à Rússia, legitimando a invasão, daria margem ao entendimento de que seus territórios contestados também poderiam ser invadidos no futuro.

Nas instâncias em que de fato poderia adotar ações mais incisivas para, se não pôr um fim ao conflito ao menos pressionar para que ele acabe, a China preferiu se abster. Quando o Conselho de Segurança da ONU tentou aprovar resolução para condenar a guerra iniciada por Putin, Pequim se juntou aos Emirados Árabes Unidos e à Índia e escolheu não se pronunciar.

Se Déli assim o fez, é porque depende militarmente de sua relação com a Rússia. Pequim, por sua vez, vê em Moscou um gigantesco parceiro comercial e seu principal aliado contra os avanços geopolíticos do Ocidente —em especial, dos EUA.

Assim, ao mesmo tempo que acena à Ucrânia, os chineses tentam não melindrar os russos. Em janeiro, Xi celebrou 30 anos de laços com Kiev, saudando o "aprofundamento da confiança política mútua". O país do Leste Europeu faz parte da Nova Rota da Seda, megaprojeto que liga Oriente Médio, Ásia, África e Europa, atravessando áreas que eram de influência da ex-União Soviética.

Por outro lado, quando as forças russas, sob ordens de Putin, invadiram a Ucrânia, a resposta formal da diplomacia chinesa foi de que a ofensiva não representava uma violação à soberania ou à integralidade do território ucraniano.

Em vez disso, o porta-voz da chancelaria descreveu o cenário —que o Ocidente já chamava de guerra— como resultado de uma "combinação de fatores". Antes, a China já acusava os EUA de serem os responsáveis pela crise na Ucrânia. Para Pequim, Washington estava "aumentando as tensões, criando pânico e até aumentando a possibilidade de guerra".

À medida que o Ocidente reagiu a ação de Putin, a China rechaçou as sanções econômicas impostas a Moscou. Aliás, as relações comerciais entre os dois países são uma das principais apostas da Rússia para reduzir o impacto das medidas de retaliação impostas pelo Ocidente.

Enquanto isso, a China começou a retirar seus cidadãos da Ucrânia. Segundo o Global Times, jornal ligado ao Partido Comunista Chinês, a primeira leva de chineses deslocados pelo conflito inclui 200 estudantes que vivem em Kiev e 400 em Odessa, no sul do país. Eles saíram em um ônibus escoltado em direção a Moldova.

Ainda de acordo com o jornal, outros mil chineses devem ser retirados ainda nesta terça (1º) pelas fronteiras com a Eslováquia e a Polônia. Ao todo, 6.000 chineses se registraram na embaixada para deixarem o país.

Erramos: o texto foi alterado

A conversa entre os chanceleres da China e da Ucrânia ocorreu a convite do ucraniano, diferentemente do que afirmava versão anterior desta reportagem.

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