Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Você adorou odiar 'O Mecanismo'

Somos invejosos. Adoramos jogar pedrinhas no coleguinha cheio de sucesso e prestígio internacional

Assisti em dois dias a todos os episódios de "O Mecanismo". Se fosse tão falho como a maioria dos meus colegas de profissão (lembrando ao leitor que também escrevo para cinema e televisão) insiste em apontar, acho que eu não teria me dedicado aos capítulos com essa curiosidade. Muito menos meus colegas.

 

Tem problemas? Muitos. A frase do Romero Jucá "é preciso estancar a sangria" na boca do personagem Higino, o Lula ficcional, dá todos os motivos que a esquerda (e eu me incluo, sempre com algumas ressalvas, mais aqui do que lá) precisava para demonizar a série, o diretor e a Netflix. É bastante confuso esse papo de "apenas livremente inspirado" porque, vamos combinar, quando Higino fala pra Janete "me escuta uma vez na vida!" sabemos exatamente quem são eles.

Mas será que é só isso que nos incomoda?

A dicção sussurrante-blasé-cínica-deprê do protagonista me fez procurar legenda em português para decifrar alguns diálogos e o desfile de frases feitas como "ele estava pisando em ovos" e "era a luta do bem contra o mal" nas locuções off maltrataram a alta expectativa de quem aguardava um roteiro brilhante. 

Mas será que é só isso que nos faz ir a almoços, reuniões, festas, redes sociais e falar mal (e mais mal e mais um pouco mal) do seriado (e de todos os outros, desde que brasileiros) sempre com um risinho de canto de boca? Ah que delícia! Acho que precisamos usar nossos dedinhos em riste, cheios de razão, perfeccionismo e boa intenção (uiuiui, só estamos preocupados com a distorção dos fatos! Nossa preocupação é apenas com o país!!), para apontar uma característica muito brasileira e também muito típica do mercado audiovisual: somos invejosos. Somos falsinhos. Adoramos jogar pedrinhas no coleguinha cheio de sucesso e prestígio internacional. Quem de vocês já fez um "Tropa de Elite"? Amigo, você escrevendo piada pro Multishow, então, menos!

Eu nunca fiz nada pra Netflix. Hollywood não sabe da minha existência. Também nunca escrevi como autora, para a Globosat ou para o cinema, nada muito melhor do que "O Mecanismo". bom, Dilma nunca ficou #magoada comigo, mas tem grandes chances de ser porque eu não tenho nenhuma importância. certo, eu nunca dei vida a um policial salvador, mas também nunca escrevi nenhum roteiro esculachando o Aécio. 

Entendo e respeito a fúria da galera militante (e, por favor, não estou aqui defendendo nada, saibam que achei alguns dos memes sacaneando a série melhor do que qualquer crítica elogiosa), mas e a turminha mais "preguiçosa para grandes questionamentos sociais" que frequenta minha casa? Está tão indignada e venenosa quanto! Por quê? Acho que, para além de nossa extrema dificuldade em fazer uma obra como, por exemplo, "Breaking Bad", está nossa gritante dificuldade em torcer para que ela seja feita por aqui.

Por isso, apesar de ter listado defeitos para ter o que falar no Facebook e nesta coluna, vou fazer aqui também um exercício contrário ao que estamos acostumados.

Pra começar, qualquer coisa com Enrique Díaz já merece minha devota atenção. Que ator preciso, espetacular e charmoso. Acompanho com bastante entusiasmo o trabalho de Carol Abras (e acho que ela está impecável no lindíssimo filme "Gabriel e a Montanha"), e Lee Taylor, por Deus, continue tirando a camisa na segunda temporada (comentário sexista, perdão, ele também é ótimo ator).

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