Tayguara Ribeiro

Na Folha desde 2019, é repórter de Política. Já trabalhou em Economia e no jornal Agora. Antes, cobriu futebol da série A3 do Paulista à Copa do Mundo de 2014.

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Tayguara Ribeiro
Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Uma Copa histórica para a África

Marrocos teve o melhor resultado de uma seleção africana, justamente quando todas foram treinadas por nomes do continente

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Marrocos conseguiu o mais relevante resultado já obtido por uma seleção africana na disputa de uma Copa do Mundo. Apesar da derrota para a França, na semifinal do torneio, nesta quarta-feira (14). E é animador notar que isso tenha ocorrido justamente na primeira competição na qual todos os países da África foram dirigidos por treinadores do continente.

A defesa árdua por um técnico europeu na direção das seleções não acontece apenas no Brasil. Lá, porém, vem de décadas. Um movimento concretizado durante anos, que inspirou muitos dos famosos clichês que embrulham uma região com 54 países num balaio só.

A conquista obtida pelo time comandado por Walid Regragui (Marrocos) já torna esta Copa do Mundo histórica. Chegar tão longe. Eliminar Bélgica, Espanha e Portugal.

O tamanho do feito aumenta quando somado à presença dos técnicos Aliou Cissé (Senegal), Jalel Kadri (Tunísia), Otto Addo (Gana) e Rigobert Song (Camarões).

Longe de dizer que a partir de agora o futebol africano se tornará uma potência capaz de enfrentar Europa e América do Sul, continentes reinantes no mundo do futebol. Não é o caso, claro. Estamos falando sobre simbolismo.

A coisa é simples. Não é só futebol. Não é possível, a meu ver, analisar o desenvolvimento do esporte na região sem levar em conta questões geopolíticas, bélicas, sociais e a colonização europeia. Não me refiro a séculos atrás. É recente. Alguns países só conseguiram autonomia na década de 70. Isso foi ontem.

Por que isso é relevante para o futebol?

As seleções africanas começaram a participar da Copa do Mundo de futebol no torneio disputado em 1934, com o Egito. Depois teve um hiato. Retornaram à competição somente em 1970, justamente com o Marrocos.

Em parte, o grande número de Copas sem a presença de times da África é desdobramento das condições políticas e sociais no continente. Em parte, desinteresse do futebol com a região.

A complexidade desses tais desdobramentos carece de detalhamento não pertinente aqui. Mas eles criaram uma grande diáspora. Rumo à Europa.

O movimento que vem crescendo nas últimas décadas tirou talentos de todas as áreas dos países africanos, não apenas no futebol. Fugindo da guerra. Da fome. Mudando a demografia dos países de saída e de chegada. Mudando também a demografia futebolística.

Comunidades se formam nos países europeus. E têm sido recebidas com reticências. Não cabem generalizações, é evidente. Mas está no noticiário o quanto a presença de imigrantes virou um assunto de primeira ordem influenciando, inclusive, eleições.

Partidos políticos se formaram ou cresceram com discursos sobre o tema.

O futebol foi impactado por isso, também. Não está difícil perceber que as mudanças que já existiam estão em aceleração.

Em uma leve olhada para trás temos um exemplo. Vemos Eusébio, tido como um dos maiores jogadores da seleção de Portugal de todos os tempos. Nasceu em Moçambique.

Corta para a Copa de 2022. Na poderosa França são 14 jogadores naturalizados ou fruto da primeira geração da diáspora.

Mandanda é congolês. Camavinga nasceu na Angola. Dembélé é filho de uma senegalesa. O pai do craque Mbappé é de Camarões.

Breel Embolo é camaronês. Disputou a Copa pela Suiça. Fez gol contra Camarões.

Há muitos outros exemplos.

Não se trata de deslegitimar a nacionalidade de ninguém. Não é sobre isso. Isso é justo. É uma reflexão sobre como vemos o futebol. Talvez os jogadores africanos tenham influenciado mais o futebol praticado na Europa com o seu talento do que técnicos europeus tenham influenciado o futebol na África.

O simbolismo desses resultados em uma Copa histórica para África passa também por desconstruir a ideia de "não tem responsabilidade" ou "são apenas força física".

Seja como for, um time de africanos está na final.

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