Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Você ainda acredita em ovos de galinhas felizes?

Pagava caro para não ver sofrimento no meu prato, mas ele estava lá, maquiado

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"E se o ovo viesse do quintal da minha avó, você não comeria?"

Diga a alguém que não, você não come nem ovos, e provavelmente escutará este questionamento.

Curiosamente, as pessoas que um dia me fizeram esta pergunta não têm avós que criam galinhas, mas o imaginário que ronda a situação hipotética não é difícil de ser desenhado.

Galinhas felizes, ciscando sobre a grama verde, numa tarde ensolarada, comem frutas e vegetais, abrem suas asas cheias de penas e, de súbito, sentem que a hora de chocar chegou. Caminham até o seu ninho, em um lugar limpo e arejado, e botam ali o seu ovo. Lá vai a vovó pegar. Frita e oferece para a amiga vegana da neta comer. Será que eu comeria?

Antes de virar vegana, eu era uma comedora voraz de ovos. Ovos caipiras, de galinhas criadas livremente (assim me eram vendidos), e eu pagava mais caro para não ver sofrimento no meu prato, embora ele estivesse lá, maquiado.

Ovos de galinha caipira - Marcelo Justo/Folhapress

Ovos mexidos no café da manhã, ovos cozidos no jantar. Às vezes tinha omelete no almoço. Teve uma época em que fiquei preocupada com a quantidade de gordura ingerida com tantos ovos e passei a comprar clara pasteurizada —era só abrir a garrafa e jogar na frigideira.

Minha dificuldade em deixar de comer ovos foi enorme, porque era a “proteína” por excelência depois que deixei as carnes, peixes e frutos do mar de fora do meu prato. Abrir mão do ovo é um baita desafio para quem é ovolactovegetariano em transição para o veganismo: não basta não comer o ovo em si, é preciso também saber se há ovo no bolo, no molho, na maionese, no biscoito…

Passamos uns bons meses lendo rótulos de tudo aquilo que compramos, e qual não é a nossa surpresa ao descobrirmos que há clara ou gema em quase todos os pacotes.

Mas, voltemos à galinha da vovó, para entender porque afinal veganos são “radicais” a ponto de não comerem ovos. Não existem galinhas felizes. Cerca de 95% da produção nacional de ovos —que chegou a quase 54 bilhões de ovos em 2020— vem de galinhas criadas em gaiolas.

O verbo mais adequado seria confinar: as aves são amontoadas umas sobre as outras, e muitas vezes não conseguem sequer ficar de pé em um espaço tão pequeno quanto uma folha sulfite A4. Seus bicos são cortados, sem anestesia, a temperaturas que chegam a 750 graus, para que as poedeiras, como são chamadas, não ajam como galinhas em situação de estresse, que arrancam suas próprias penas e bicam umas às outras.

O cenário da produção industrial de ovos não tem nada de idílico, e o campo verde e iluminado pelo sol não passa, na grande maioria das vezes, de um galpão sujo onde pintinhos são triturados vivos por serem machos e galinhas são forçadas a botar cerca de trezentos ovos por ano versus os doze, quinze ovos que chocariam caso fossem, de fato, felizes e livres.

São esses os ovos que consumimos na maioria das vezes, nas padarias, restaurantes e na comida industrializada, por mais que no mercado façamos a escolha pelo ovo caipira.

A boa notícia é que, ao contrário do que possa parecer, os ovos podem facilmente ser substituídos por ingredientes vegetais. Uma empresa de Cingapura, a OsomeFood, desenvolveu o primeiro ovo cozido à base de plantas, mas não precisamos aguardar essa novidade chegar no Brasil para incluir, digamos, ovos vegetais em nossas refeições, com ingredientes acessíveis e práticos.

Vejamos algumas substituições para os ovos da galinha:

Omeletes

Com o grão de bico podemos fazer um “grãomelete” sem quebrar nenhum ovo. Deixe de molho uma xícara de grão de bico em água da noite para o dia. O tempo mínimo para o demolho é de doze horas, preferencialmente trocando a água ao longo desse tempo para aliviar a ação do fitato, antinutriente responsável, entre outras coisas, pela sensação de estufamento que podemos sentir ao consumirmos leguminosas como o grão de bico.

Omelete de grão de bico com recheio de cogumelos em prato branco salpicado com salsinha
Omelete de grão de bico com recheio de cogumelos - Paulo Caldas

Na manhã seguinte, descarte a água e transfira o grão de bico para o liquidificador. Adicione duas xícaras de água, sal, temperos e bata. Leve para cozinhar na frigideira, tal qual uma omelete.

Quer uma versão ainda mais prática? Use a farinha de grão de bico: ¾ de xícara da farinha para uma xícara de água, basta temperar, misturar bem e levar para a frigideira com um fio de azeite. Fácil, não?

Ovos Mexidos

O temido tofu —injustamente taxado de insosso— é a base perfeita para os ovos mexidos veganos. Em uma frigideira acrescente, com o fogo desligado: 250 gramas de tofu firme, ¼ de xícara de leite vegetal, uma colher de sopa de azeite, uma pitada de cúrcuma, sal e temperos a gosto. Desfaça o tofu com um garfo, misture e leve para cozinhar em fogo médio por cinco minutos. Finalize com cebolinha fresca. Fica delicioso.

Mas, e o sabor do ovo?

O sabor característico do ovo pode ser incorporado às receitas com o uso do sal negro, ou kala namak, que possui enxofre em sua composição. Aqui em casa virou item obrigatório e é facilmente encontrado nas lojas da Zona Cerealista, em mercados naturais e até em supermercados.​

E o ovo do quintal da vovó?

Quase ia encerrando a coluna sem responder à pergunta. Por compreender que galinhas não existem para me alimentar, eu seguiria com meus “ovos veganos”.

Mas, se eu dissesse que não “comeria” ovos em circunstância nenhuma, estaria mentindo. Certamente vou “comer” quando chegar minha vez de ser vacinada. Os ovos são matéria prima na produção de vacinas, e, embora exista um ou outro vegano desgarrado fazendo o desserviço de se pronunciar publicamente contra a vacinação para o Covid-19, garanto que a maioria esmagadora de nós já se vacinou ou aguarda ansiosamente a hora de se vacinar.

Somos contra a exploração animal e a favor da vacina, e não há contradição nenhuma nisso.

A definição de veganismo cunhada em 1944 pela primeira sociedade vegana, a The Vegan Society (Inglaterra) segue atual:

“Veganismo é uma filosofia e estilo de vida que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra animais na alimentação, vestuário e qualquer outra finalidade”.

Deixemos o ovo de fora do prato e tomemos a vacina.

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