Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus

E agora, Covas-Nunes?

Com a vitória da mesmice, SP ainda carece de um plano para enfrentar suas desigualdades

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Entre a brancura das peles de seus aliados, quase todos homens, amontoados no palanque de vitória como se não houvesse uma pandemia em curso, está o prefeito recém-eleito da cidade mais multifacetada do país, Bruno Covas.

Covas fala em diversidade, moderação e ciência, atributos que —jogados ao ar na efêmera forma de palavras— se dissolvem quando colidem com a dura realidade de quem o cerca.

Ao seu lado está o governador que flerta com o extremismo bolsodoriano do atira para matar. Ao lado do novo prefeito, está seu filho adolescente, apresentado pelo governador do estado como futuro parlamentar, num misto entre ritual dinástico e pacto narcísico de monótona continuidade.

É digno de nota como nós, sudestinos, estamos acostumados a ver renovação onde há dinastia familiar-partidária, e a ver gestão onde apenas há mais do mesmo. Tratamos os outros ao Norte e Nordeste como seres apegados a suas elites locais esquecendo o quanto defendemos as nossas com as unhas e dentes da arrogância umbilical que nos caracteriza.

Eleições são uma festa onde, ao final, uns choram e outros riem. Tudo normal, desde que se assegure que não é a democracia que chora. Não foi o caso de São Paulo, ainda bem. Covas e Boulos, fora as farpas esperadas, souberam travar um debate eleitoral mais baseado em visões distintas de cidade do que em ataques pessoais. Que isto seja louvável no Brasil de 2020 não o torna o objetivo último da política democrática, mas o seu pressuposto.

Guilherme Boulos agigantou-se ao longo da campanha. Redefiniu que a radicalidade política está na luta por direitos. Ter convencido mais de 2 milhões de paulistanos disso não é um feito pequeno. Cabe a Boulos e seu partido, o PSOL, se capilarizar nas cidades onde, como SP, teve votação expressiva, se profissionalizar angariando quadros técnicos que o solidifique, e se perguntar se uma dose de pragmatismo – como defender responsabilidade fiscal e agenda anticorrupção – fará bem ao partido em disputas majoritárias futuras.

Agora eleitos, seria importante que Covas-Nunes dissessem a que vieram. Campanha tucana se baseou em características que, de tão vagas, facilmente se dissolvem no ar no primeiro dia de trabalho: gestão e experiência. Justamente por este tom da campanha, surpreende que Covas-Nunes tenham apresentado diretrizes de governo por demais genéricas.

Que Covas não tenha feito uma campanha de ódio a la Bolsonaro, elogiável em si, não o exime da responsabilidade de descer ao plano da realidade e apresentar um programa de governo que de fato enfrente as desigualdades de uma cidade onde se morre, em média, com 81,5 anos no Jardim Paulista, mas com 58,3 anos no Jardim Ângela. Este e outros dados do Mapa da Desigualdade 2020 são estarrecedores.

Qual o plano de direitos humanos dos eleitos Covas-Nunes? Até agora, nada. Numa cidade onde a população em situação de rua saltou 53% entre 2015-2019 e violações por parte de agentes da prefeitura são uma constante, qual o plano? Num governo eleito tendo como vice oculto o obscurantista Ricardo Nunes que crê em moinhos de vento como “ideologia de gênero”, qual o plano para direitos LGBTs na cidade? Numa São Paulo onde o número de mulheres vítimas de violência entre 2016-2019 aumentou em 64%, qual o plano? Numa cidade onde há um ano crianças mais pobres têm tido arrancadas delas sua chance de um futuro diante da dificuldade de acesso ao ensino à distância em meio à pandemia, qual o plano?

Tampouco, Covas-Nunes assumem a responsabilidade por enfrentar problemas estruturais da cidade, em parte de sua responsabilidade. Não o fazem por serem financiados por quem quer manter o crescimento desordenado da cidade como está: ao menos R$ 880 mil da campanha tucana veio do bolso de doadores ligados a grupos de construtoras e incorporadoras, segundo levantamento da Folha. Qual o projeto de cidade que resulta desta proximidade com o setor imobiliário?

Apenas 18,1% da população da cidade de SP mora num raio de até 1km de uma estação de trem, metrô ou monotrilho, 18 distritos da cidade não possuem um único equipamento cultural e parques são escassos. É o agravamento e não o enfrentamento destes problemas que se avizinha. Se não for isso, é melhor que Covas-Nunes digam qual o plano.

É possível, sim, fazer política sem ódio, mas não é possível fazer uma cidade mais igualitária e democrática sem um plano para tanto. Covas-Nunes ainda não apresentaram um, além de mais do que já está aí.

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