Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus tecnologia

Pornografia infantil não é ficção

É crime, sim, produzir crianças-robôs sexuais em escala industrial

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Hélio Schwartsman ("Ficção ou realidade?", 7/2) defendeu neste espaço a seguinte "solução" para "transformar a pornografia infantil em crime sem vítima": inteligência artificial (IA). A coluna reage a um dado estarrecedor: de 2022 a 2023, cresceram 77% as notificações de imagens de pornografia infantil (71.867), de acordo com a SaferNet, muito delas por IA. A lei, aliás, já pune especificamente desde 2008 simular pornografia infantil por meio de IA, bem como distribuí-la (artigo 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente).

O texto resta na premissa de que um crime sem vítima de carne e osso seria menor ou nem sequer seria crime. Bem, do ponto de vista legal, não é. Há crimes formais (que independem do resultado), como ameaça; e os de mera conduta (que apenas geram o perigo): porte ilegal de arma, por exemplo. A lei permite que se puna a conduta que tem crianças como vítimas ao expô-las a uma sociedade onde haja a produção em escala industrial de robôs sexuais infantis.

Denúncias de abusos e violações de direitos, incluindo pornografia infantil, cresceram 48,7% no Brasil em 2023 - Karime Xavier/Folhapress - Folhapress

Outros argumentos se valem de uma querela séria —os limites da arte— para defender outra coisa menos louvável —a produção, uso e divulgação de pornografia infantil por IA. No queijo suíço argumentativo, fica difícil entender o argumento utilitarista em abstrato, que tem desdém pela realidade na qual deveria incidir: o Brasil é o quarto em casamento infantil e cerca de 90% dos abusos contra crianças são cometidos por conhecidos. Não há um muro separando esses dados e a indústria de IA em pornografia infantil.

Utilitarismo sério não é egoísmo: não se preocupa com a maximização do prazer do abusador, mas sim com a maximização do bem para o maior número de pessoas, o que razoavelmente inclui proibir condutas que se entendem como insustentáveis, seja pela lei penal, seja por políticas públicas de outras naturezas.

Discordo, portanto, de todos os argumentos trazidos por Schwartsman, seja por serem uns objetivamente errôneos, seja por outros serem um consequencialismo onde realidade vira ficção.

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