Numa demonstração explícita de racismo, a administração municipal de São Paulo escreveu com todas as letras que pagará R$ 70 milhões por ano para reforçar a lei da vadiagem. A norma da era pós-abolição fora cristalizada em lei pela ditadura de Vargas em 1941 –ainda em vigor, mas considerada letra morta– com o único objetivo de prender pessoas negras e pobres, entendidas como afeitas ao crime e, portanto, suspeitas.
Intitulado de Smart Sampa, o edital promete tecnologia de reconhecimento facial de "uma pessoa suspeita, monitorando todos os movimentos e atividades" e "por diferentes tipos de características como cor". A legalidade da licitação, via pregão, é ainda mais duvidosa por não se tratar de uma aquisição trivial. Mesmo tirando a referência à "vadiagem" do edital, resta questionar porque investir em uma tecnologia intrusiva, enviesada e ineficaz.
Smart Sampa é racista e não funciona. Nos estados brasileiros em que foi utilizada a tecnologia, 90,5% dos presos são negros. O número inclui erros, por exemplo, duas pessoas detidas em Copacabana embora a pessoa procurada já estivesse na prisão. O custo de privacidade é intolerável numa democracia: o sistema captou 1,3 milhão de rostos e gerou 903 alertas no Carnaval na Bahia em 2019, mas só 4% dos mandados foram cumpridos. Mais de 20 estados já utilizam reconhecimento, sem regulação clara e tampouco transparência.
Há vasta literatura sobre o racismo algorítmico –ler no Brasil Tarcízio Silva e Nina da Hora. Em segurança, além dos erros, a base de dados a partir da qual a tecnologia aprende já é enviesada. São Francisco e Boston proibiram a tecnologia. Estudo de 2022 em Nova York mostrou que o reconhecimento impulsiona policiamento discriminatório e outro de 2019 em Londres revelou erro sistemático.
SP precisa decidir se estará ou não na vanguarda do atraso: a lei da vadiagem algorítmica do século 21 é racismo policial por outros meios.
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