Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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EUA precisam de muro alto para barrar migrantes, mas com portão grande

Washington deve atrair estrangeiros dispostos a assumir riscos se quiser competir com Pequim

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The New York Times

De acordo com as notícias, o recente aumento de migrantes da América Latina que inundam a fronteira sul dos Estados Unidos é em grande parte o resultado do fim de uma política de Covid da era Trump. Peço desculpas, mas discordo. É o resultado de um novo mundo.

E esse novo mundo vai desafiar as visões tradicionais, tanto republicanas quanto democratas, sobre a imigração. Como argumentei antes, só há uma maneira de lidar com as ondas de migrantes que continuarão chegando aos Estados Unidos. É um muro muito alto com um portão muito grande.

Migrantes aguardam na fronteira dos EUA com o México para se entregarem aos agentes da Patrulha de Fronteira
Migrantes aguardam na fronteira dos EUA com o México para se entregarem aos agentes da Patrulha de Fronteira - Patrick T. Fallon - 10.mai.23/AFP

Os democratas não querem ouvir falar de muros altos, e os republicanos não querem ouvir falar de grandes portões. Muito ruim. Precisamos de ambos. Donald Trump foi uma fraude na imigração. Ele nunca quis resolver o problema. Ele explorou o medo de uma fronteira descontrolada para atrair os racistas e os supremacistas brancos da sua base. E alimentar esses medos funcionou para Trump.

O presidente Joe Biden deveria superar Trump. Fazer o possível para proteger a fronteira como nunca antes –mais muros, mais cercas, mais barreiras, mais tropas, o que for preciso. Fazer que os democratas dominem a segurança das fronteiras. Mas não com o objetivo de sufocar a imigração: com o objetivo de expandi-la. É uma boa política e uma boa estratégia.

Se quisermos prosperar no século 21 e competir efetivamente com a China, precisamos dobrar nossa maior vantagem competitiva: nossa capacidade de atrair os migrantes com aspirações mais altas e com QIs mais altos, dispostos a assumir riscos, os que iniciam novas empresas.

O melhor que posso dizer é que Deus distribuiu cérebros igualmente ao redor do planeta. O que ele não distribuiu igualmente foi quais países receberiam melhor os imigrantes com mais energia e intelecto. Há muito tempo nossa vantagem competitiva singular é sermos o número 1 nessa categoria. Se jogarmos fora essa vantagem, como país, voltaremos à média global.

Mas não podemos ter uma discussão racional sobre a expansão da imigração para atender aos nossos interesses –e sobre como criar um caminho justo para dar cidadania aos imigrantes ilegais que já estão aqui, assim como para seus filhos nascidos aqui– se muitos americanos pensam que nossa fronteira sul está fora de controle.

E precisamos dessa discussão hoje com mais urgência do que nunca, porque veja esta notícia: os 10 mil migrantes por dia que cruzaram a fronteira México-EUA poucos dias antes da retirada das restrições de Trump –os níveis mais altos de todos os tempos– não foram uma aberração, mesmo que esses níveis tenham sido reduzidos nos últimos dias abaixo dos níveis caóticos que Biden temia. Eles são o começo de um novo normal.

Por quê? Porque os primeiros 50 anos após a Segunda Guerra foram ótimos para ser um Estado-nação fraco, particularmente na América Latina, no Oriente Médio e na África. Havia duas superpotências por aí jogando dinheiro em você, enviando trigo para você, dando bolsas de estudo para seus filhos estudarem em suas escolas, reconstruindo generosamente seu Exército depois que você perdeu guerras (veja Egito e Síria) e geralmente competindo por sua amizade.

Além disso, a mudança climática era moderada. O crescimento populacional ainda estava sob controle. Ninguém tinha um smartphone para comparar facilmente suas condições ou seu líder com o país vizinho ou a Europa, e a China não estava na OMC (Organização Mundial do Comércio), então era muito mais fácil competir em indústrias de baixos salários como a têxtil.

Tudo isso começou a mudar no início do século 21. Agora nenhuma superpotência quer tocar em você porque tudo o que elas ganham é uma fatura. (Veja os EUA no Afeganistão.) A mudança climática está afetando os países, principalmente seus agricultores de subsistência. As populações explodiram. Mais de dois terços do mundo têm smartphones e podem obter informações –e desinformações– mais rapidamente que nunca, além de se conectar facilmente com um traficante de pessoas online. E a China está na OMC e tem dominado muitas indústrias manufatureiras de baixos salários.

Como resultado, cada vez mais países pequenos (e, no caso de Venezuela, Sudão e Etiópia, países maiores) estão começando a se fraturar, cair na desordem e esparramar migrantes que querem deixar seu mundo da desordem e vir para o mundo da ordem. Somos os EUA e a União Europeia, entre outros.

Não é por acaso que a Organização Internacional para Migração da ONU declarou: "Hoje, mais pessoas que nunca vivem em um país diferente daquele em que nasceram". O Muro de Berlim simbolizou a Guerra Fria. A queda do Muro de Berlim simbolizou o pós-Guerra Fria. E o Rio Grande, repleto de famílias tentando sair do mundo da desordem para o mundo da ordem, simboliza o pós-pós-Guerra Fria.

Nesta era, será cada vez mais difícil distinguir entre migrantes econômicos, tentando entrar nos EUA apenas para conseguir um emprego decente, e aqueles que buscam legitimamente asilo político.

A melhor evidência de que uma fronteira forte pode levar a um debate mais racional é a Califórnia. E a pessoa que me ensinou isso foi Seth Stodder, um californiano nativo que foi secretário-adjunto de segurança interna do presidente Barack Obama para políticas de fronteira, imigração e comércio e que hoje leciona direito na Universidade do Sul da Califórnia.

"Quase um quarto da população sem documentos dos Estados Unidos vive na Califórnia", disse-me Stodder, "e a maioria de nós aceita isso". "No início da Presidência Trump, até aprovamos uma lei de 'estado santuário' para proteger da deportação pessoas cumpridoras da lei."

Mas nem sempre foi assim. Em 1994, os eleitores da Califórnia, por uma ampla maioria, aprovaram a Proposta 187 –que impedia os imigrantes que entrassem ilegalmente nos EUA de receber benefícios.

O governador Pete Wilson, republicano, fez campanha para isso, disse Stodder, e ganhou a reeleição "com anúncios ameaçadores apresentando vídeos rústicos de imigrantes atravessando a fronteira e se infiltrando no meio do trânsito até San Diego, com música assustadora ao fundo e uma voz profunda entoando: 'Eles continuam vindo. Dois milhões de imigrantes ilegais na Califórnia. O governo federal não vai detê-los na fronteira, mas exige que paguemos bilhões para cuidar deles'".

Então, como a Califórnia passou da Proposta 187 para um estado santuário? Muitos motivos, explicou Stodder. "Mas um grande problema é que, na esteira da Proposta 187, o governo Clinton finalmente obteve o controle da fronteira entre San Diego e Tijuana –fortalecendo a Patrulha de Fronteiras e construindo uma cerca dupla, e em alguns lugares tripla, ao longo de 22 km de fronteira. Isso impediu a imigração ilegal para os EUA? Não. O fluxo mudou para o leste, para o Arizona e para o Texas. Mas conseguiu o controle da fronteira aqui no sul da Califórnia. Os californianos não eram mais confrontados com imigrantes correndo em direção a seus carros ou desviando do tráfego na Rodovia 5. A cerca tirou a imigração ilegal do noticiário noturno local, e os californianos puderam se concentrar em outras coisas."

Isso deu a muitos deles "o espaço emocional para aceitar os milhões de migrantes indocumentados que vivem em nosso estado", disse Stodder, "vendo-os menos como uma ameaça e mais como nossos vizinhos, amigos, família e outros californianos".

Se você quer um grande portão –como eu–, você precisa de um muro alto.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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