Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Vladimir Putin é o idiota mais perigoso do mundo

Rússia será freada na Ucrânia, quer esteja ganhando ou perdendo, apenas quando presidente russo decidir parar

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Não tenho escrito muito sobre a Guerra da Ucrânia recentemente porque muito pouco mudou em termos de estratégia desde os meses iniciais deste conflito, quando três fatos abrangentes foram responsáveis por praticamente tudo. E ainda são.

Fato número 1: Quando uma guerra desta magnitude começa, a pergunta crucial que um colunista de assuntos internacionais se coloca é simples: onde preciso estar? Preciso estar em Kiev, no Donbass, na Crimeia, em Moscou, em Varsóvia, em Berlim, em Bruxelas ou em Washington?

Em Kiev, homem tira selfie em frente a painel com ilustração de Vladimir Putin sendo preso após condenação no Tribunal de Haia, com Valerii Zaluzhnii, chefe das Forças Armadas da Ucrânia, comemorando
Em Kiev, homem tira selfie em frente a painel com ilustração de Vladimir Putin sendo preso após condenação no Tribunal de Haia, com Valerii Zaluzhnii, chefe das Forças Armadas da Ucrânia, comemorando - Serguei Supinski - 11.mar.23/AFP

Desde o início desta guerra, só há um lugar onde estar para entender o timing e o rumo dela: dentro da cabeça de Vladimir Putin. Infelizmente, Putin não concede visto para seu cérebro.

Esse é um problema real, porque a guerra nasceu inteiramente de sua cabeça –praticamente sem qualquer contribuição de seu gabinete ou de seus comandantes militares, como sabemos agora— e certamente sem qualquer desejo expresso pela maioria do povo russo. Por isso mesmo, a Rússia será freada na Ucrânia, quer esteja ganhando ou perdendo, apenas quando Putin decidir parar.

Isso nos conduz ao fato número 2: Putin nunca teve um plano B. Está claro que ele achou que entraria em Kiev sem dificuldade, tomaria a cidade em uma semana, instalaria um lacaio como presidente, enfiaria a Ucrânia em seu bolso e acabaria com qualquer expansão adicional da União Europeia, Otan ou da cultura ocidental em direção à Rússia. Em seguida ele lançaria sua sombra sobre toda a Europa.

E isso nos leva ao fato número 3: Putin se colocou numa situação em que não tem como ganhar, não tem como perder e não tem como parar. Não há mais como dominar a Ucrânia inteira. Mas ele não pode se dar ao luxo de ser derrotado após todas as vidas e os recursos russos que consumiu. Por isso, não pode parar.

Para explicar em outras palavras, pelo fato de nunca ter tido um plano B, Putin adotou como padrão o bombardeio punitivo e muitas vezes indiscriminado de cidades e infraestrutura civil ucranianas, na esperança de que ele vá de alguma maneira conseguir drenar sangue suficiente dos ucranianos e deixar os aliados ocidentais de Kiev exaustos para que lhe entreguem uma fatia suficientemente grande da Ucrânia oriental, onde se fala russo, para que ele possa apresentar isso como uma grande vitória.

O plano B de Putin consiste em disfarçar que seu plano A fracassou. Se esta operação militar tivesse um nome honesto, seria chamada Operação Evitar Minha Humilhação. Por isso mesmo ela é uma das guerras mais doentias, mais sem sentido dos tempos modernos: um líder destruindo a infraestrutura civil de outro país até que consiga ocultar o fato de que tem sido um imbecil absoluto.

Dá para ver pelo discurso de Putin no Dia da Vitória, em Moscou, na terça-feira (9), que ele está buscando qualquer fiapo de explicação para justificar uma guerra que deslanchou de sua fantasia pessoal de que a Ucrânia não é um país de verdade, mas parte da Rússia. Putin disse que sua invasão foi provocada por "globalistas e elites" ocidentais que "falam de sua exclusividade, colocam pessoas umas contra as outras, dividem a sociedade, provocam turbulência e conflitos sangrentos, semeiam o ódio, a russofobia, o nacionalismo agressivo e destroem os valores familiares tradicionais".

Uau. Putin invadiu a Ucrânia para preservar os valores familiares russos. Quem diria? Esse é um líder buscando um jeito de explicar a seu povo por que lançou uma guerra contra um vizinho insignificante que segundo ele não é um país de verdade.

Seria o caso de perguntar: por que um ditador como Putin acha que precisa de um disfarce? Ele não consegue fazer seu povo acreditar no que ele quer? Creio que não. Se você olhar o comportamento dele, parece que Putin hoje está assustado com duas disciplinas: a aritmética e a história russa.

Uma das maiores lições que aprendi escrevendo sobre países autocráticos é que, por mais rigidamente controlado seja um lugar, por mais brutal e férreo que seja seu ditador, todo mundo fala.

As pessoas sabem quem está roubando, quem está enganando, quem está mentindo, quem está tendo um caso com quem. Começa com um cochicho e muitas vezes não passa disso, mas todo o mundo fala. Está claro que também Putin tem consciência disso. Ele sabe que, mesmo que consiga dominar mais alguns quilômetros da Ucrânia oriental e conservar a Crimeia, no instante que ele suspender esta guerra seu povo vai fazer todos os cálculos aritméticos cruéis de seu plano B, a começar pela subtração.

A Casa Branca informou na semana passada que estimados 100 mil combatentes russos foram mortos ou feridos na Ucrânia apenas nos últimos cinco meses e aproximadamente 200 mil morreram ou ficaram feridos desde que Putin lançou esta guerra, em fevereiro de 2022.

É um número grande de baixas, mesmo para um país grande, e Putin está preocupado com o fato de seu povo falar disso, porque, além de criminalizar qualquer forma de dissensão, em abril ele aprovou às pressas uma nova lei que pune a evasão do alistamento militar obrigatório. Agora, qualquer pessoa convocada que não comparecer terá dificuldades para realizar operações bancárias, vender bens ou mesmo conseguir uma carteira de motorista.

Putin não estaria fazendo tudo isso se não temesse que todo o mundo está cochichando sobre como a guerra está indo mal e como evitar participar dela. Leia o artigo recente de Leon Aron, historiador da Rússia de Putin e estudioso do American Enterprise Institute, publicado pelo Washington Post sobre a visita de Putin em março à cidade ucraniana de Mariupol, ocupada pelos russos.

"Dois dias após o Tribunal Penal Internacional ter acusado Putin de crimes de guerra e emitido um mandado de prisão", escreveu, "o presidente russo foi a Mariupol por algumas horas". "Foi filmado visitando o ‘microdistrito de Nevski’, inspecionando um apartamento e ouvindo os ocupantes gratos por alguns minutos. Quando deixava o local, uma voz é ouvida com dificuldade no vídeo: ‘É tudo mentira!"

Aron me disse que a mídia russa mais tarde deletou o "é tudo mentira" do áudio, mas o fato de isso ter sido deixado inicialmente pode ter sido um ato de subversão de alguém na hierarquia da mídia oficial russa. Todo o mundo fala. E isso me conduz à outra coisa da qual Putin tem consciência: "Os deuses da história russa não perdoam a derrota militar", disse o historiador.

Na era moderna, "quando um líder russo encerra uma guerra claramente derrotado, geralmente há uma troca de regime". "Vimos isso após a primeira Guerra da Crimeia, após a Guerra Russo-Japonesa, após os reveses da Rússia na Primeira Guerra Mundial, após a retirada de Kruschev de Cuba em 1962 e após o atoleiro em que Brezhnev e companhia se meteram no Afeganistão, que acelerou a chegada da revolução da perestroika e da glasnost de Gorbachov. O povo russo tolera muita coisa, mas, apesar de sua paciência renomada, ele não perdoa uma derrota militar".

É por essas razões que Aron, que acaba de escrever um livro sobre a Rússia de Putin, argumenta que este conflito está longe de acabar e que ainda pode se agravar muito antes de terminar. "Neste momento há duas maneiras de Putin encerrar esta guerra que ele não tem como vencer nem pode abandonar. Uma delas é continuar até a exsanguinação da Ucrânia e/ou até o Ocidente se cansar de apoiar a Ucrânia."

E a outra, argumentou, "é forçar um confronto direto com os EUA –nos trazer até a beira do precipício de um duelo nuclear— e então recuar um passo e propor a um Ocidente assustado um acordo abrangente que incluiria uma Ucrânia neutra e desarmada e o controle russo contínuo da Crimeia e do Donbass".

É impossível entrar na cabeça de Putin e prever qual será seu próximo passo, mas estou preocupado. Sabemos que ele sabe que seu plano A fracassou. Agora ele fará qualquer coisa para produzir um plano B para justificar as perdas que acumulou em nome de um país onde todos falam e onde líderes derrotados não se aposentam pacificamente.

Tradução de Clara Allain

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