Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia

Putin e Netanyahu mostram por que coisas ruins acontecem a líderes ruins

Presidente da Rússia e premiê de Israel acham que jogam xadrez em alto nível, mas se arriscam sozinhos em roleta-russa

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É chocante para mim ver o quanto o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, têm em comum hoje em dia: ambos se veem como grandes jogadores de xadrez estratégicos em um mundo onde, pensam eles, todo mundo só sabe jogar damas.

No entanto, ambos interpretaram mal a conjuntura em que estavam operando. Na verdade, eles analisaram tão mal que parece que cada um não está jogando xadrez ou damas, mas sim roleta-russa –sozinhos. A roleta-russa não foi feita para ser jogada sozinha, mas ambos estão sozinhos.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião em Moscou, em 2015 - Ivan Sekretarev - 21.set.15/Pool/AFP

Putin pensou que poderia capturar Kiev em poucos dias e, assim –a um custo muito baixo– usar a expansão russa na Ucrânia para embotar para sempre a expansão da União Europeia e da Otan.

Ele poderia ter chegado perto, não fosse o fato de que seu isolamento e autoengano o levaram a entender errado seu próprio Exército, o Exército da Ucrânia, os aliados da Otan, o presidente Joe Biden, a população ucraniana, a Suécia, a Finlândia, a Polônia, a Alemanha e a União Europeia. No processo, ele transformou a Rússia numa colônia de energia da China e um mendigo para os drones do Irã.

Para alguém que está no topo do Kremlin desde 1999, há muita coisa errada.

Netanyahu e sua coalizão pensaram que pudessem dar um rápido golpe judicial, disfarçado de "reforma" legal, que lhes permitiria explorar a mais estreita das vitórias eleitorais –cerca de 30 mil votos em 4,7 milhões– para permitir que Netanyahu & Companhia governem sem se preocupar com a única fonte de restrição aos políticos no sistema de Israel: seu Judiciário independente e a Suprema Corte.

Curiosamente, na primeira reunião formal do gabinete do premiê, em dezembro, ele listou as quatro prioridades de seu governo: bloquear o Irã, restaurar a segurança pessoal de cada israelense, abordar o custo de vida e a escassez de moradias e ampliar o círculo de paz com os Estados árabes vizinhos.

Ele não mencionou a reviravolta nos tribunais, aparentemente esperando que passasse despercebida para o público. Errado. A grande maioria dos israelenses entendeu imediatamente e respondeu com a maior reação pública a qualquer proposta de legislação na história do país.

A oposição agora está em toda a sociedade israelense e além: Netanyahu errou com seu Exército, com sua comunidade de startups de tecnologia, com Biden e, como mostram as pesquisas, com a maioria dos eleitores israelenses. Ele também errou com a base de seu próprio partido: embora tenha havido protestos maciços e amplos todas as semanas contra sua reforma judicial, não houve uma única grande manifestação popular de apoio.

Netanyahu até enganou alguns de seus mais fervorosos apoiadores entre os judeus americanos conservadores. Miriam Adelson, escrevendo no Israel Hayom, jornal israelense de direita fundado por seu falecido marido bilionário, Sheldon, condenou a maneira como o primeiro-ministro estava tentando "passar às pressas" por uma mudança tão significativa. Isso levanta "questões sobre os objetivos básicos e a preocupação de que este seja um movimento precipitado, imprudente e irresponsável", escreveu ela, acrescentando: "Más motivações nunca produzem bons resultados".

Para alguém que serve como primeiro-ministro pela sexta vez, é muita coisa errada.

Como dois líderes podem errar em tantas coisas, apesar de estarem no poder há tantos anos? A pergunta responde a si mesma: eles estão no poder há muitos anos! Cada um deles construiu inimigos e rastros de suposta corrupção que os deixam com a sensação de "governar ou morrer".

No caso de Netanyahu, isso significaria morrer figurativamente: ele está sendo atualmente julgado por várias acusações de corrupção e, se condenado, pode enfrentar pena de prisão e o fim de sua vida política. No caso de Putin, pode significar literalmente morrer nas mãos de seus inimigos.

Os temores de Netanyahu de governar ou morrer o levaram a formar uma coalizão com dois ex-presidiários e uma galeria de vilões supremacistas judeus. Muitos foram evitados por ex-premiês –na verdade, até pelo próprio Netanyahu–, mas em seu desespero, ele teve que fazer parceria com os mesmos porque foi abandonado por muitos membros decentes do Likud.

Putin, infelizmente, está muito além de formar coalizões e compartilhar poder. Esse foi o Putin 1.0, no início dos anos 2000. Putin 2.0, após 24 anos no cargo, sabe que um líder como ele –que roubou tanto dinheiro– nunca poderia confiar que um sucessor o deixaria se aposentar pacificamente em sua suposta mansão de US$ 1 bilhão no mar Negro. (Seu salário oficial é de US$ 140 mil por ano.)

Ele sabe que para viver, ou pelo menos viver livremente, deve permanecer como presidente vitalício. Assim, as duas maiores inovações de Putin foram cuecas venenosas e guarda-chuvas com pontas envenenadas para dispensar supostos inimigos.

O que é mais interessante para mim é como Netanyahu e Putin interpretaram mal suas próprias Forças Armadas. O presidente russo teve que contar cada vez mais com presidiários e mercenários para carregar o peso de sua guerra na Ucrânia, enquanto dezenas de milhares de russos fugiram para o exterior para escapar do recrutamento.

Em Israel, pilotos da força aérea, médicos do Exército e ciberguerreiros alertaram que as Forças de Defesa de Israel não vão simplesmente apoiar um ditador israelense. Aqueles que se pronunciaram incluem três oficiais seniores aposentados, liderados por Joab Rosenberg, ex-vice-chefe de análise da inteligência das FDI, que voou para Washington esta semana para tentar obter ajuda americana e impedir o golpe em câmera lenta de Netanyahu.

Mais uma semelhança que leva a uma enorme diferença. Putin e Netanyahu se cercaram de apoiadores cegos, partidários infiéis e desconhecidos –ninguém com qualquer posição política independente ou espinha dorsal ética que possa se levantar e dizer: "O que você está fazendo? Pare. Isso está errado. Reduza suas perdas".

Mas isso leva a uma grande diferença entre eles.

O mundo está dividido em mais de 24 fusos horários. A Rússia sozinha abrange 11. Israel se encaixa em um. Putin pode arcar com uma longa guerra de desgaste na Ucrânia, onde nunca precisa admitir que se enganou. Ele tem margens enormes para seus erros. Israel, não.

Os líderes israelenses mais sábios sempre entenderam que precisam proteger cuidadosamente seus recursos e se relacionar com seus aliados –não apenas por interesses comuns, mas também por valores gerais.

No entanto, a coalizão extremista de Netanyahu está agora enfrentando militarmente os palestinos e o Irã, ignorando desejos e valores de seu aliado mais importante, os EUA; de sua mais importante comunidade da diáspora, os judeus americanos; e de sua principal fonte de crescimento econômico, os investidores estrangeiros. E está fazendo tudo isso enquanto divide o povo israelense, à beira de uma guerra civil.

É loucura. Ou, em outras palavras: a Rússia pode sobreviver a um líder que joga roleta-russa. Israel, não.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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