Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Negros são ignorados na construção do processo político brasileiro

A representatividade nas assembleias legislativas, na Câmara e no Senado, ainda não acompanha a realidade da população

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As eleições no Brasil chegam ao primeiro turno no dia 2 de outubro com um número recorde de candidaturas de negras e negros, ou seja, 49,57% do total de registros aptos à votação, representando 14.015 candidatos.

O número recorde é superior ao do ano de 2018, pois teve um aumento de três pontos percentuais, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Com base nessas informações, observa-se que, desse total, 35,65% se declararam pardos, ou 10.079, enquanto 3.936 se consideraram pretos, computando 13,92%.

Nilo Peçanha se tornou o primeiro presidente negro do país em 1909
Nilo Peçanha se tornou o primeiro presidente negro do país em 1909 - Arquivo Nacional

O número de pessoas brancas que são candidatas é de 48,86% —pouco mais de 13 mil dos que concorrem nas próximas eleições.

Embora seja grande o número de candidaturas de negros e negras no país, a representatividade nas Assembleias Legislativas, bem como na Câmara dos Deputados e no Senado, ainda não acompanha a realidade da população negra brasileira, hoje representada por 54%.

Na atual legislatura, a Câmara tem 21 deputados autodeclarados pretos, e 104, pardos, número superior ao de 2014, mas que continua amplamente sub-representado. Dos 513 parlamentares eleitos, 75% são brancos. Entre os senadores eleitos em 2018, apenas 13 se dizem pardos e três se definiram como pretos.

É evidente que pesa sobre esses números o forte racismo da sociedade brasileira e a falta de apoio dos partidos políticos, comandados por dirigentes brancos —em que pese a distribuição de legendas e a cota de verba do fundo partidário, em geral subdimensionados a postulantes negras e negros.

No passado a coisa não foi muito diferente, a contar, em especial, o tamanho da população brasileira e o início do projeto republicano.

São conhecidos nomes como o do deputado de origem pernambucana Monteiro Lopes (1867-1910) e o da catarinense Antonieta de Barros (1901-1952), primeira mulher negra eleita para um mandato legislativo no Brasil.

Monteiro Lopes, que também foi vereador, é tido como primeiro deputado federal do país, mas não é. Assim como Abdias Nascimento é erroneamente tido por primeiro senador.

O Brasil teve outras representações negras no Legislativo e no Executivo desde o advento da República, em novembro de 1889. Alguns chegaram a comandar essa complexa nação.

De acordo com o historiador e africanólogo Alberto da Costa e Silva, membro da Academia Brasileira de Letras, quatro presidentes da República brasileiros "esconderam os seus ancestrais africanos": Campos Sales (1841-1913), Rodrigues Alves (1848-1919), Nilo Peçanha (1867-1924) e Washington Luís (1869-1957). Todos tiveram grande destaque na política desde o Império.

Alves e Peçanha, no entanto, têm fenótipos nitidamente pretos, mesmo diante de suas fotografias embranquecidas. Caso idêntico ocorreu com o escritor carioca Machado de Assis, não reconhecido como negro até na certidão de óbito.

Rodrigues Alves, filho da africana Isabel Perpétua, também conhecida por Nhá Bela, foi duas vezes eleito presidente do Brasil, além de ter sido três vezes senador e duas vezes presidente (governador) de São Paulo, cargo que já havia exercido no Império, de 1887 a 1888.

Comandou também por duas ocasiões o Ministério da Fazenda, no primeiro governo republicano. Na campanha abolicionista, falhou e defendeu "a emancipação gradual", com base na lei Saraiva-Cotegipe, como o aliado barão de Cotegipe, outro que escondia suas origens africanas.

Nilo Peçanha foi nosso mais emblemático dos presidentes da República negros brasileiros, se destacando bastante no meio político. Nascido em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, de origem humilde, seu pai era alcunhado de "Sebastião da Padaria".

De deputado federal constituinte em 1891 a senador, exerceu duas vezes o cargo de governador do seu estado. No passado, defendeu a abolição da escravatura e era xingado de mulatinho, além de ser caricaturado nos jornais com feições de macaco.

Na Presidência, de 1909 a 1910, criou o pioneiro Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e são suas também a criação das escolas técnicas brasileiras, implantadas para atender aos "deserdados da sorte e da fortuna". Em 1917, renunciou a seu segundo mandato de governador para assumir nada menos do que o Ministério das Relações Exteriores, sendo sucedido por Domício da Gama, outro negro de grande talento.

As próximas eleições são importantíssimas para o reconhecimento do papel do negro no processo político brasileiro, algo negado desde a proclamação da República, há mais de um século.

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