Metódico, estudioso de tudo que diz respeito ao Brasil —da música aos tipos de solo— e um tanto ingênuo, Policarpo Quaresma é um dos personagens mais marcantes da literatura brasileira. O funcionário público é o protagonista do romance "Triste Fim de Policarpo Quaresma", do escritor negro Lima Barreto, nascido em 1881 e morto em 1922.
O personagem é alvo de zombaria por parte dos seus colegas de repartição e, ao longo da história, é diagnosticado como louco por idealizar obsessivamente a valorização da cultura que entende como verdadeiramente brasileira.
"Aquele Quaresma podia estar bem, mas foi meter-se com livros… É isto! Eu, há bem quarenta anos que não pego em livro…", diz o general Albernaz, personagem do convívio de Quaresma. A obra, indispensável no cânone nacional, integra a Coleção Folha Clássicos da Literatura Luso-Brasileira e chega às bancas no próximo domingo, 23.
Uma das passagens mais populares da obra é sobre a proposta de Quaresma, enviada ao Congresso, para tornar o tupi-guarani, idioma que havia estudado sozinho, a língua oficial do país.
"Certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil" e cansado das "censuras ásperas dos proprietários da língua", encaminha o pedido para apreciação dos deputados.
Curiosamente, o guarani tornou-se língua oficial de um vizinho do Brasil. O Paraguai, que também tem origem indígena, oficializou o idioma décadas depois da ficção, em 1992.
A proposta de Quaresma não prospera, como tantas outras de suas iniciativas, que incluíam cultivar a terra em seu sítio, que ele considera a mais fértil do mundo. Os fracassos, porém, guardam um sentido na obra que remete à impossibilidade de concretização de um projeto de nação e de modernidade em voga na época.
"É uma ironia ao projeto romântico, mas não somente", afirma Jorge Augusto, professor de literatura na Universidade Estadual da Sudoeste da Bahia e do Instituto Federal Baiano. "Lima Barreto ataca os núcleos que os pós-estruturalistas viriam atacar décadas depois. Todas as vezes que Policarpo busca a origem, a pureza, para buscar a nação, ele submerge e é levado ao ridículo. Lima Barreto nunca cai na armadilha da essência, do purismo."
Se o autor não cai nessa armadilha é porque aposta na multiplicidade e não na unidade como perspectiva de Brasil, argumenta Augusto. "Isso é possível porque o escritor estava pensando no país a partir de um lugar que ninguém pensava antes", afirma o professor.
"Barreto escreve pela primeira vez na literatura brasileira em uma perspectiva popular, negra e periférica. É por isso que defendo que ele fundou a literatura periférica e apresenta outro projeto de modernidade para o Brasil", diz Augusto, autor de "Modernismo Negro: A Literatura de Lima Barreto", que deve ser lançado neste ano pela editora Segundo Selo.
Se Policarpo Quaresma é um personagem que faz a leitura valer a pena, o narrador onisciente é responsável por diversas observações perspicazes da sociedade do Rio de Janeiro. A organização social da cidade é tema de uma dessas observações ao mesmo tempo precisas e muito literárias.
O trecho que descreve os subúrbios cariocas é um exemplo dessa habilidade do narrador: "Nada mais irregular, mais caprichoso, mais sem plano qualquer, pode ser imaginado. As casas surgiam como se fossem semeadas ao vento e, conforme as casas, as ruas se fizeram".
O mesmo narrador faz um registro ácido sobre o que chama de "alta sociedade suburbana": "É uma alta sociedade muito especial e que só é alta nos subúrbios".
Para Augusto, um dos valores do livro é justamente a "ironia fina". "A capacidade destruidora do riso é algo potente na obra. Não é só sátira, como dizem, é um riso sofisticado que expõe a verdade sobre a nação", diz o professor.
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