Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Livro sobre Luiz Gama o consagra como o maior advogado negro da abolição

Obra de Bruno Rodrigues Lima afirma que não 'se conhece, na história do Brasil, quem tenha escrito mais sobre direito e liberdade'

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Impossível não ficar mexido, ou sair a mesma pessoa, com a mesma consciência dos fatos narrados, depois da leitura de "Luiz Gama Contra o Império", apropriadamente subintitulado "A Luta pelo Direito no Brasil da Escravidão", de Bruno Rodrigues de Lima, publicado pela editora Contracorrente.

Como Luiz Gama desvendou 'roubo do século' na 'Wall Street brasileira' Foto de arquivo de Luiz Gama Luiz Gama libertou centenas de escravizados usando apenas a lei Importado Automaticamente de: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1vznpex024o - WIKICOMMONS

De entrada, bom logo que se diga, este é um livro consciente e necessário. E não só para quem busca letramento e engajamento político social negro ou para entender as raízes do racismo entre nós.

A consciência dele advém porque é um livro pensado a partir de conceitos humanitários, por alguém que é apaixonado pelo seu tema e pelo valor do seu personagem, e, ao mesmo tempo, por alguém não imbuído das paixões ideológicos que permeiam determinadas escritas e leituras.

Por outro lado, o livro é necessário por outras razões. Uma das mais importantes delas é, certamente, ao apresentar, no âmbito conceitual das histórias contadas através de pontos biográficos, o grande trabalho jurídico social desenvolvido por Gama na busca de provar a ilegalidade do sistema escravista, mesmo antes da lei de 1831, a chamada "lei para inglês ver", que proibia o tráfico de africanos no país.

Obviamente Bruno Lima não traz em sua obra apenas este contexto da faceta combatente de Luiz Gama. Seu livro, resultado de festejada tese premiada internacionalmente, aprofunda, como talvez nenhum outro pesquisador já tenha feito, as noções e conhecimentos do abolicionista negro sobre o intricado e emaranhado mercado de gente africana para o território brasileiro.

Sem sombra de dúvidas, é a primeira vez que Luiz Gama –que, nos últimos tempos, vem sendo objeto de estudos e pesquisas em todos os campos do conhecimento do país–, é visto de forma não "romantizada" pela academia e, além disso, por alguém que o vê e o trata, no plano da ciência jurídica, como ideólogo do pensamento político que confronta o status quo escravocrata do regime imperial e propõe alternativas, saídas plausíveis, não só como advogado, mas também intelectual, consciente dos dilemas a serem enfrentados, sempre os mais arraigados e intransponíveis.

O que também chama a atenção no livro de Bruno Lima é a forma como mostra o quanto Luiz Gama tinha uma "missão única", da qual muito se orgulhava, que é sua luta "pela vitória da justiça", afirmando que só pararia de lutar quando os juízes tivessem "cumprido o seu dever."

Não à toa, o advogado negro defendia, vitorioso, que "o escravo que mata o senhor" cumpria "uma prescrição inevitável de direito natural". Além de trazer sob uma nova percepção as teses defendidas por Luiz Gama nos tribunais da São Paulo, então uma província em franco desenvolvimento, Bruno Lima traça, sem elogios de ocasião, o perfil intelectual e do engajamento no campo do direito do negro baiano. Neste particular, a obra se destaca pelo acúmulo de documentos inéditos e desconhecidos, fontes primárias, divulgados e comentados no decorrer do trabalho, que traz ainda fac-símiles de jornais e processos defendidos nos tribunais.

Esta parte do livro é de particular interesse, em especial ao descobrimos, pela leitura, que Luiz Gama, tido como o "advogado da liberdade", usou inteligentemente o jornalismo como meio de escoar suas ideias e crenças de combate ao escravismo brasileiro –ideias e crenças ordinariamente bombardeadas e não aceitas, sob a premissa de um pacto de senhores escravizadores com o sistema político e econômico, que tinha na escravidão a base de suas riquezas e poder.

Neste particular, Bruno Lima acerta ao dizer que não "se conhece, na história do Brasil, quem tenha escrito mais sobre direito e liberdade" do que Luiz Gama. Pelas inúmeras referências contidas em "Luiz Gama Contra o Império", grande parte não publicada em livro e fora do alcance do grande público, é de asseverar que o baiano, nascido em 1830, filho da lendária africana Luísa Mahin, escravizado criança pelo próprio pai, um nobre português, realmente, não resta qualquer alegação, foi a figura mais importante no combate a escravidão de todo século 19.

Luiz Gama denuncia, pelos tribunais e pela imprensa, o "pacto político que envolveu todos os poderes constituídos", exatamente porque o "tráfico transatlântico se tornou a política de estado", como pontua o pesquisador.

Neste sentido, a voz e a pena do jurista negro miram ministros da coroa, conselheiros, políticos, juízes, policiais, militares, agentes públicos, professores de instituições científicas, associações beneficentes, religiosas e sociais, bem como auxiliares e mercadores do comércio de africanos.

Ao se manifestar pelo fim do "terrorismo judiciário" do império brasileiro, pregando a queda do segundo reinado e o advento da República, Luiz Gama estabelece um "tour de force" contra grupos poderosos, enfrentando ameaças à vida e a sua integridade.

Mas ele venceu. Deixou, afinal, como prova Bruno Lima, algo do que a posteridade pode se orgulhar.

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