Úrsula Passos

Repórter da Ilustrada, coordena o Clube de Leitura Folha e o Encontro de Leituras, parceria do jornal com o português Público, e é mestre em filosofia pela USP.

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Úrsula Passos
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Vidas humanas valem ou não valem mais que os ganhos que as Olimpíadas trouxeram?

Felizmente não tivemos, até agora, relatos de atletas, voluntários e outros profissionais que morreram devido ao vírus

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E já estão chegando ao fim os Jogos Olímpicos de Tóquio. Foi piscar na cerimônia de abertura e nos aproximamos da de encerramento. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que as pouco mais de duas semanas do evento passam voando a cada edição.

Fui uma das que torceram o nariz para a decisão de realizar as Olimpíadas em meio à pandemia, mas tenho passado noites e manhãs torcendo para que os atletas se superem, para que vejamos recordes sendo batidos, e chorando com imagens como a da heptatleta britânica Katarina Johnson-Thompson seguindo com a corrida mesmo após uma lesão e a de Sifan Hassan, corredora holandesa que caiu, levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima, levando o primeiro lugar.

É triste, porém, ver estádios e arenas quase vazios, ocupados apenas por pessoas do mundo do esporte, outros atletas, equipes e jornalistas esportivos. É triste pensar que todo aquele espetáculo está sendo feito apenas para a televisão e que os japoneses não estão tendo a chance que nós brasileiros tivemos em 2016 de viver uma cidade ocupada pelo espírito olímpico.

Um dos meus grandes sonhos era poder ver uma Olimpíada de perto. Mesmo em poucos dias, porque não fui a trabalho, a coisa toda no Rio de Janeiro foi mesmo digna de sonhos. Sentir a vibração da arquibancada, ver o suor escorrendo do corpo que treme do halterofilista, cumprimentar um medalhista que está dando uma volta pelo parque olímpico, almoçar ao lado de coreanos, iranianos e indonésios.

Imagine o Carnaval das escolas de samba cariocas, o maior espetáculo da Terra, realizado sem público, apenas para ser transmitido pela TV. Embora muitos critiquem algumas decisões tomadas pelas agremiações nos desfiles, dizendo que tal ou tal coisa foi feita apenas para a câmera, qualquer um que já esteve no sambódromo sabe que as cores, o movimento e o surdo da bateria despertam um calafrio que não existe no sofá de casa.

Do ponto de vista da humanidade —e não do de indivíduos, atletas ou federações e comitês—, valeu a pena termos passado por cima da grave situação sanitária que enfrentamos para realizar a Olimpíada?

Felizmente não tivemos, até agora, relatos de atletas, voluntários e outros profissionais que morreram devido ao vírus na capital japonesa. Tivemos, porém, número recorde de infectados no Japão e casos de atletas removidos dos Jogos por terem se contaminado ou terem tido contato com infectados, como a delegação de nado artístico da Grécia. Foi, ao menos até o momento em que escrevo este texto, o único caso de uma equipe completa excluída, mas houve casos de atletas que não puderam competir em outras modalidades, como no skate e no salto com vara.

Mas e se atletas e membros de equipes morrerem? E se as contaminações levarem a casos complicados que resultem em sequelas que inviabilizem a carreira e a vida saudável dessas pessoas? Vale o risco por termos tido imagens emocionantes, atletas fazendo o que amam e a roda dos eventos esportivos girando?

Volto mais uma vez à comparação com as artes, muito porque me parece, ao menos para o espectador, que o contato com elas se aproxima demais da experiência de assistir às performances olímpicas.

O crítico americano Clement Greenberg, que dedicou a vida a pensar as artes, dizia que nenhuma obra de arte vale uma vida humana. Ou seja, não há dúvida possível entre salvar uma pessoa da morte ou salvar a “Monalisa” da destruição. Assim poderíamos também avaliar a edição dos Jogos Olímpicos que se encerra. Foram colocadas vidas em risco, e as vidas humanas valem mais que os ganhos que as Olimpíadas nos trouxeram. Ou não valem?

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