Vaivém das Commodities

A coluna é assinada pelo jornalista Mauro Zafalon, formado em jornalismo e ciências sociais, com MBA em derivativos na USP.

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Vaivém das Commodities
Descrição de chapéu América Latina

Instabilidades climáticas afetam economias dependentes do agro

Em 2023, a mais prejudicada foi a Argentina; neste ano, poderá ser o Brasil

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São Paulo

A maior ocorrência de instabilidades climáticas tem colocado a economia de países voltados basicamente para a agropecuária em condições de vulnerabilidade. Em 2023, o principal exemplo foi o da Argentina. Um cenário complicado também aguarda o Brasil em 2024.

Argentinos e brasileiros têm no complexo soja (grãos, farelo, óleo e biodiesel) um dos sustentáculos das exportações. Quando esse setor vai mal, deixa de irrigar a economia, principalmente a do interior.

Descarregamento de soja no Porto de Paranaguá
Porto de Paranaguá espera receber cerca de 2 milhões de toneladas de soja em março - Claudio Neves/Portos do Paraná

Argentina e Brasil tiveram caminhos opostos no ano passado. O setor de soja trouxe apenas US$ 13,5 bilhões (R$ 66,4 bilhões) em 2023 para a Argentina, um valor que representou 20% do total das exportações do período. Em 2022, em condições normais de produção no campo, as receitas haviam somado US$ 24,1 bilhões (R$ 118,6 bilhões), 27% das exportações do país.

Já o Brasil, devido à safra recorde, obteve US$ 64,4 bilhões (R$ 317 bilhões) com as exportações do complexo soja, 20% de todas as receitas com as exportações de 2023. No ano anterior, o percentual havia sido de 18%.

Argentina e Brasil têm uma dinâmica diferente nas exportações da oleaginosa. Enquanto os brasileiros priorizam as vendas externas do grão, os argentinos industrializam mais o produto e obtêm maiores receitas com farelo e óleo. Em 2023, as exportações de farelo lideraram as vendas da Argentina, somando US$ 8 bilhões (R$ 39,4 bilhões), 12% de todas as exportações. No Brasil, a liderança foi da soja em grão, que atingiu exportações de 102 milhões de toneladas e gerou US$ 53,2 bilhões (R$ 261,8 bilhões), 16% do valor das exportações totais do país.

A Argentina viveu uma tempestade perfeita, devido à falta de chuva nas lavouras. O volume produzido despencou, sobrando menos produto para exportação. Além disso, os preços internacionais tiveram forte queda. Os seis principais produtos da lista de exportações do agronegócio do país vizinho renderam US$ 21,6 bilhões (R$ 106,3 bilhões) no ano passado, 43% a menos do que em 2022, conforme os dados do Indec (o instituto nacional de estatísticas do país).

Soja, milho e trigo, principais itens, foram seriamente afetados por condições climáticas adversas. A soja, com produção prevista para 50 milhões de toneladas, ficou em apenas 20 milhões. A industrialização do grão foi menor, e as exportações de farelo de soja recuaram para 16,2 milhões de toneladas, bem abaixo dos 25 milhões de 2022. Com isso, os argentinos perderam a liderança mundial para os brasileiros, que exportaram 22,6 milhões de toneladas de farelo.

As quebras da safra de milho para 39 milhões de toneladas e a de trigo para 12,4 milhões também afetaram a balança comercial dos argentinos. A exportação de volume menor fez o país perder US$ 6,2 bilhões (R$ 30,5 bilhões) apenas com esses dois produtos no ano passado. Farelo de soja, milho e trigo renderam US$ 15,2 bilhões (R$ 74,8 bilhões) em 2023, 41% a menos do que em 2022.

Com os estragos provocados pelo clima nas lavouras de trigo, os argentinos tiveram apenas 3 milhões de toneladas do cereal para exportar no ano passado, bem abaixo dos 14 milhões de 2022.

O Brasil só não foi mais afetado por essa quebra, uma vez que é dependente do cereal da Argentina, porque elevou em muito a produção de trigo nos anos recentes, diminuindo a dependência de importações. No ano passado, as compras brasileiras do cereal foram 27% inferiores às de 2022, segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

A seca e a consequente quebra de safra de grãos no país vizinho reduziram as receitas das exportações de produtos primários em 39% no ano passado. Com menos matéria-prima disponível, as exportações de produtos manufaturados de origem vegetal e animal caíram 28%, para US$ 23,8 bilhões (R$ 117,1 bilhões).

Os argentinos se recuperam neste ano. As estimativas de safra de grãos, se tudo der certo, indicam um volume próximo de 150 milhões de toneladas. A produção de soja sobe para 52 milhões; a de milho, para 59 milhões, e a de trigo, para 15 milhões.

As preocupações agora recaem sobre o Brasil. Aos poucos, a previsão de uma grande safra de grãos vai ficando para trás, e os efeitos climáticos podem afetar a balança comercial. A líder soja, cuja estimativa inicial de produção chegou a 169 milhões de toneladas, apresenta sinais constantes de queda. A previsão já está em 154 milhões, conforme dados da Agroconsult. Esses 15 milhões de toneladas de quebra já representam uma entrada de R$ 30 bilhões a menos no bolso do produtor.

Além da soja, o milho também traz preocupações para o Brasil neste ano. Receosos, os produtores devem reduzir a área de plantio, e os efeitos do clima vão afetar a produtividade na safrinha. O país não atingirá a meta de 120 milhões de toneladas no ano. Safra menor de soja e de milho interrompe o ritmo crescente das exportações do agronegócio, que atingiram o recorde de US$ 167 bilhões (R$ 822 bilhões) em 2023.

O bom desempenho de 2023, quando o Brasil assumiu a liderança mundial em exportações de milho e de farelo de soja, não deverá ocorrer em 2024. Os Estados Unidos voltam a liderar as vendas externas de milho, e a Argentina, as de farelo de soja.

O agronegócio vem aumentando a participação nas exportações, tanto no Brasil como na Argentina, mas em períodos de crises climáticas o setor irriga menos a economia. No ano passado, a participação do agro nas exportações totais brasileiras subiu para 49%. Na Argentina, recuou para 57%, após ter atingido 64% em 2022.

Além de perdas no volume, os dois países tiveram receitas menores devido à queda dos preços internacionais. Em média, a soja teve retração de 12%, o milho, de 14%, e a carne bovina, de 20%. Não há sinais de recuperação neste ano.

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