Veny Santos

Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

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Futebol de rua espelha opinião pública na internet com espiral do silêncio

O uso do poder faz com que todos concordem com o dono da bola, sob pena se serem excluídos do jogo

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O dono da bola sempre conseguiu fazer com que sua opinião fosse acatada por todos ao seu redor. Ele, no centro, tornava-se o time todo, a voz reguladora capaz de condicionar a ação dos seus amigos cuja obediência era fruto do interesse pelo jogo.

O uso do poder esférico em mãos para fazer com que todos concordassem com ele era, também, a maneira de evitar o isolamento por causa de algo característico seu: falta de habilidade e popularidade.

Os demais, aqueles cuja contribuição para o futebol de rua era fazer de seus chinelos as traves do gol, também temiam a exclusão. Ficava fora da partida quem não concordasse com a opinião do dono da bola —aquela que diria quem é goleiro, quem é atacante e quem fica "de próximo". Não concordar e, mais do que isso, expressar em público sua divergência.

Jovens jogando futebol de rua no largo da Batata, em São Paulo - Davi Ribeiro - 7.jul.14/Folhapress

Um retrato simples este dos meninos, da bola e o poder que concede ao seu dono ou dona, da brincadeira que expressa inocência. Sabe-se, entretanto, que a rua é uma escola e o prelúdio da vida adulta cuja passividade pode se confundir com o medo de expressar uma opinião dissonante da majoritária que resulte no isolamento.

Um receio ancestral que, trazido para os tempos atuais e contornado por teorias e conceitos que estudam psicologia social, comunicação, antropologia e política, chama a atenção para o entendimento acerca da formação da opinião pública. Há, entre os silenciosos e silenciados, muito a ser ouvido.

Elisabeth Noelle-Neumann, cientista política alemã, elaborou um dos conceitos mais centrais para os estudos sobre as teorias da comunicação. Chamou de "espiral do silêncio" —termo que também batiza o livro lançado sobre o assunto em 1982— o processo no qual o indivíduo cala sua opinião quando ela diverge daquela tida como a da maioria.

Emudece-se por medo de ser excluído do grupo no qual se encontra e, com isso, sofrer as consequências. Esse medo reflete o peso e a influência das massas na constituição de seus membros.

Os estudos de Noelle-Neumann —correlacionados a outros teóricos que vão desde Locke e Rousseau a Margaret Mead e Tocqueville— apresentam, de início, uma séria de questionários aplicados em diferentes cenários políticos e sociais nas décadas de 1960 e 1970, cujo objetivo era detectar a presença da espiral do silêncio quando a pessoa era inquerida sobre sua opinião diante da firmada pela maioria.

Ela seria contra fumar perto de não fumantes se essa posição fosse expressada em um ambiente onde a maioria fumasse? Se tivesse de falar em público que era a favor do partido progressista em um quadro no qual ele estivesse perdendo escancaradamente para os conservadores, falaria?

A hipótese da cientista era a de que, por temer a discriminação, parte da população suprimiria sua própria convicção para se manter no tecido social. Por espiral, entendeu-se também o processo no qual a visão de mundo escondida hoje pode ser a próxima perspectiva máxima da sociedade amanhã. Depende de quem será o próximo dono da bola.

Hoje, com a internet, a espiral do silêncio é barulhenta. As opiniões até então silenciadas por medo de isolamento ganham um espaço seguro dentro do paradoxo característico das redes: aparecer por meio de anonimato. Dezenas de comentários feitos com nomes falsos para poderem, assim, tirar da penumbra da imoralidade as mais perversas posições diante de temas sociais.

O fascismo, por exemplo, se no início dos anos 2000 não era defendido tão pública e abertamente, nos dias atuais consegue espaço e visibilidade entre "anônimos declarados" da cibercultura. Revelam seu posicionamento sem revelar quem —e de onde— está se posicionando. A espiral do silêncio existe nas redes porque o medo do isolamento existe fora das redes. O que ganha novos ares com as tecnologias atuais é o impacto causado pela toada de vozes mecânicas tentando fazer seu coro ecoar. Ao menos o dono da bola dava as caras.

E hoje, com quem está a bola? Talvez com o que Noelle-Neumann chamou de "multidões instáveis" —aquelas que, na verdade, não refletem a opinião pública.

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