É insistente a pergunta sobre as chamadas mães narcisistas. O adjetivo colou e tem servido de tema para grupos discutindo a crueldade, a avareza afetiva, a competição desleal e o simples sadismo de algumas mães.
Gosto de lembrar meus alunos da opacidade da palavra mãe. Afinal, sob esse termo estão todas as pessoas que assumiram um certo papel junto a um filho, quer queiram, quer não. Nesse balaio se encontra sujeitos neuróticos, perversos, psicóticos… além de milhões de pessoas que engravidam, enquanto estão apenas querendo fazer sexo ou sendo obrigadas a fazê-lo. Entre o sexo e a concepção existe um abismo, pois humanos fazem de tudo para controlar a fertilidade, diferentemente dos mamíferos em geral, que só transam no cio.
Então, temos esse conjunto heterogêneo de gestações desejadas ou execradas em uma cultura e época que ainda não permitem que quem engravidou decida inteiramente o que fazer com isso, caso não deseje pôr uma criança no mundo. Além disso, a pressão pela assunção da maternidade ainda é tão maciça que muitas mulheres mal cogitam não se tornarem mães, iludidas com a ideia de que a maternidade lhes dará um lugar de reconhecimento social. Esse lugar existe, mas é um misto de Madona, valorizando a graça de carregar um bebê em seu corpo, com o lugar da desprezada Geni, acusada de nunca estar à altura de tal milagre.
Os homens que pretendem arbitrar sobre o que se passa no corpo de quem engravida representam a parte da população que costuma desaparecer na hora de embalar Mateus, como sugere o dito popular. Como dizia um cartaz certeiro: se você é contra o aborto, faça vasectomia. Mas a preciosa semente masculina não pode ser desperdiçada e o (risível) mito do instinto materno entre humanos foi criado para garantir que os gêneros continuem a fazer o que se espera deles: homens inseminam e vão cuidar da vida, mulheres (e homens trans) gestam e vão cuidar dos filhos dos primeiros.
Cuidar da prole, no que tange a quem gestou e pariu (com ou sem consentimento), é o calcanhar de aquiles da ansiada igualdade entre os sexos (nascidos com útero e os que não).
Mesmo quando temos a garantia de nosso direito de decidir e os meios para fazê-lo, as mentalidades ainda não estão maduras o suficiente para aceitar a interrupção de uma gestação indesejada ou a entrega em adoção, enquanto fazem vista grossa para o abandono paterno.
Não raro, a dedicação aos filhos não esconde o ressentimento pelas perdas amorosas, profissionais, físicas e pessoais que sofrem as mulheres quando “ganham” um bebê respondendo a um imperativo legal ou moral.
Com fina ironia, mas coberto de razão, Paul Preciado (Testo Junkie, 2018) compara homem e mulher de um casal cis e heterossexual divorciado e mostra como filhos e envelhecimento têm um impacto claramente maior sobre a segunda. Ao voltar para o mercado amoroso heterossexual, a mulher tem seu valor totalmente depreciado (A não ser que ela se direcione para o mundo lésbico, no qual as senhoras costumam estar em alta).
Resumo da história, cabe ressaltar que pessoas cujos pais são sádicos e negligentes merecem discutir suas mazelas e tratar suas feridas, inclusive para impedir que passem o legado para as próximas gerações.
No entanto, elevar o termo "mãe narcisista" a uma categoria pretensamente diagnóstica é a cereja do bolo da injustiça contra as mulheres. Fato, no entanto, bem compreensível, pois muitos pais sequer estão lá para receber algum adjetivo negativo.
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