Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Vera Iaconelli

A guerra é feita pelos homens?

Equiparar masculinidade e guerra é errar o alvo da paz

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A confusão está feita quando pênis, homem, masculinidade e falo são colocados indiscriminadamente no mesmo balaio. Até aqui todas as culturas, em todas as épocas privilegiaram sujeitos nascidos com pênis. E que me desculpem as feministas que defendem um período no qual as mulheres teriam estado em posição igualitária ou superior a dos homens: não há provas que corroborem essa hipótese. O que é notória é a diferença brutal entre formas de opressão de gênero a depender do povo e do momento histórico.

Na maioria dos casos, os nascidos com pênis são assimilados ao grupo dos homens, diferenciado do grupo das mulheres (pessoas nascidas com vulva, útero). Maioria não significa totalidade dos casos, porque temos inúmeros relatos de comunidades nas quais sujeitos intersexo (com genitália ambígua ao nascer) ou que se identificam com o gênero não esperado podem ser assimilados ao outro grupo. Sobre o tema vale ler o livro "Existe Índio Gay?: a Colonização das Sexualidades Indígenas no Brasil" (Editora Prismas, 2017), de Estevão Fernandes, para ver como as sociedades modernas são lanterninhas na aceitação das transidentidades.

Veículo blindado russo queimando ao lado do corpo de um soldado
Veículo blindado russo queimando ao lado do corpo de um soldado não identificado durante a luta com as forças armadas ucranianas em Kharkiv - Sergey Bobok - 24.fev.22/AFP

Ao adentrar no grupo dos homens, a educação do sujeito é voltada no sentido da identificação com as insígnias do poder, sua conquista e manutenção, uma vez que elas são apresentadas como um direito de nascença.

A masculinidade diz respeito ao conjunto de ideais e pressupostos que cada grupo associa aos homens, que varia imensamente a depender da época e localidade. Para os gregos a grande virtude masculina seria a capacidade de dialogar e ocupar um lugar como verdadeiro cidadão. As figuras mais proeminentes da atualidade, contudo, se vangloriam de portar fuzis. Por sinal, não existe imagem melhor para introduzir a fantasia de que o pênis chancelaria a masculinidade do que um fuzil ereto. Na falta de uma garantia última do que seria a masculinidade —afinal, se trata de uma convenção— procura-se um ícone imaginário. É nessa hora que essa parte pendurada do corpo, com a gloriosa capacidade de entumecer, é confundida com o falo.

O falo é de outra ordem pois, ao contrário do órgão genital, nunca brocha, mas tampouco se materializa em qualquer parte, pois trata-se daquilo que queremos crer que preencheria nossas faltas. Missão impossível, claro. Qualquer coisa pode ser colocada no lugar fálico: filho, dinheiro, aparência, poder, pênis, enfim, qualquer objeto que supomos causar o brilho no olhar do outro, quando ele nos vê possuidor desse objeto. A fantasia de ter o falo permite crer que, na competição com o outro, saímos ganhando.

Tudo isso para dizer que mulheres, quando se identificam com a lógica fálica (obter poder sobre o outro por meio de ícones supervalorizados) também podem fazer a guerra e outras idiotices. Só é menos comum porque somos educadas a evitar o confronto e temos menos oportunidade de estar em posição de deflagrar uma guerra. Mas lembremos de Cleópatra ou Margaret Thatcher, só pra citar dois grandes exemplos.

O falo é uma miragem que sempre fará parte de nossas vidas, com o qual temos que lidar para não ficarmos siderados, ignorando nossos desejos em busca de quimeras.

A guerra é uma das piores versões do uso do poder. Enquanto continuarmos associando virilidade a destruição, acúmulo de bens e poder, haverá gente considerando Putin, Trump e Bolsonaro grandes homens.

De minha parte, só confio e respeito homens com desejo e coragem de amar acima de tudo. Tenham pênis ou não.

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