Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente

Aos que ficam

O suicídio coloca em xeque o sentido do amor entre nós e outro que se vai

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A dor pela perda de alguém não é medida apenas pelo amor por quem se foi, pois as circunstâncias nas quais ela ocorre podem mudar completamente o caráter do evento.

A idade da pessoa em questão; o fato de ser inesperada; a ideia —geralmente improvável— de que poderia ter sido evitada; a violência ou a injustiça da qual decorre: muitas são as situações e seus desdobramentos.

A morte de uma pessoa amada nos leva à sensação de abandono porque queremos crer —de forma mágica e onipotente— que, se ela nos amasse mesmo, conseguiria permanecer ao nosso lado. Ou seja, se nos amasse o suficiente, venceria o câncer, atravessaria a rua com mais segurança, frearia o carro em tempo hábil, prolongaria a vida tendo bons hábitos. Enfim, por amor a nós, o amado operaria milagres.

Nos casos mais intempestivos, as pessoas se perguntam como não perceberam ou porque não houve confiança suficiente para que a dor fosse compartilhada a tempo
Nos casos mais intempestivos, as pessoas se perguntam como não perceberam ou porque não houve confiança suficiente para que a dor fosse compartilhada a tempo - Burdun/Adobe Stock

A culpa não tarda a chegar pela ambivalência diante da perda, mas também por fantasias de ação e omissão. Se eu tivesse escutado, se tivesse falado, se tivesse chegado um minuto antes ou depois, inúmeras são as cenas que se repetem, enquanto tentamos acomodar o impensável dentro de nós.

Mas, quando a pessoa escolhe, de forma intempestiva ou calculada, cortar todas as relações que construiu na vida na forma do suicídio, a morte adquire seu caráter mais paradoxal. Aqui também não há experiência genérica, sendo cada situação tão única como a pessoa que se foi.

No último dia do que ficou conhecido por Setembro Amarelo —mês da prevenção suicídio— me coube testemunhar, junto a pessoas muito queridas, a devastação desse ato.

Presenciar pais idosos enterrando um filho adorado que, num momento obscuro e incompreensível, decidiu acabar com tudo é das cenas mais desoladoras que se pode imaginar. É como se o amor investido ao longo de décadas retornasse no sentido oposto, numa bomba de desolação, cujos estilhaços atingem a todos. Nos tornamos coadjuvantes de uma cena sobre a qual nada sabemos, porque quem poderia saber algo sobre o sentido do ato não está mais aqui para contá-lo.

O suicídio coloca em xeque o sentido do amor entre nós e outro que se vai, dificultando o consolo, tão fundamental nessas horas. Devemos lembrar, no entanto, que antes de romper conosco, o sujeito rompeu com ele próprio, e é disso que se trata.

Nos casos mais intempestivos, as pessoas se perguntam como não perceberam ou por que não houve confiança suficiente para que a dor fosse compartilhada a tempo, se faltou amor de quem foi ou de quem ficou.

No entanto, a pessoa que se suicida, por alguma razão que nunca saberemos ao certo qual, não pôde, antes de tudo, encarar a si mesma. Não pode se projetar no futuro enfrentando uma nova condição, imposta pela idade, pelo trabalho, pela sexualidade, pela desilusão amorosa ou o que quer que seja que a vida impôs para o sujeito, que se viu sem meios para prosseguir.

Os homens, pela forma como vivem sua masculinidade, são as grandes vítimas da falta de recursos para reconhecer, nomear e compartilhar os afetos, três condições para que o diálogo interno não cesse e possa ser transmitido na busca de ajuda.

Daí que enquanto a vida vai bem ou as lutas são contra agentes externos, eles tendem a se virar bem, aparentando força e desembaraço. Mas quando as lutas são internas, como fantasias de inadequação, humilhação e a própria angústia existencial, eles podem se descobrir frágeis e despreparados.

Vivendo em uma cultura que preza a atuação irrefletida, o gesto intempestivo e a baixa tolerância ao sofrimento, estamos todos ameaçados pelo único ato que não é falho, segundo Lacan. Setembro Amarelo acabou e mal começamos a falar sobre a necessidade de se escutar.


ONDE BUSCAR AJUDA

  • Para quem pensa em suicídio:

NPV (Núcleo de Prevenção à Violência)
Os NPVs são constituídos por ao menos quatro profissionais dentro das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e de outros equipamentos da rede municipal. Para acolher e resguardar as vítimas, os núcleos atuam em parceria com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

Pronto-Socorro Psiquiátrico
Ideação suicida é emergência médica. Caso pense em tirar a própria vida, procure um hospital psiquiátrico e verifique se ele tem pronto-socorro. Na cidade de São Paulo, há opções como o Pronto Socorro Municipal Prof. João Catarin Mezomo, o Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) e o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya.

Mapa da Saúde Mental
O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos, além de ações voluntárias realizadas por ONGs e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece cartilhas com orientações em saúde mental.

CVV (Centro de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 h por dia no número 188, por chat, via email ou diretamente em um posto de atendimento físico. Presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar.

Leia mais aqui.

  • Para quem precisa de apoio após suicídio de um ente querido:

Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio
Oferece grupos de apoio aos enlutados e a familiares de pessoas com ideação suicida, cartilhas informativas sobre prevenção e posvenção e cursos para profissionais.

Abrases (Associação Brasileira dos Sobrevivente Enlutados por Suicídio)
Disponibiliza materiais informativos, como cartilhas e ebooks, e indica grupos de apoio em todas as regiões do país.

Leia mais aqui.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.