Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Congresso quer ser o mandão da ruína da República

Parlamentares querem ter ainda mais poder sobre Orçamento, pelos piores motivos

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O poderoso centrão quer decidir o destino de 40% do dinheiro do Orçamento federal ainda "livre". Isto é, 40% daqueles 5% que sobram das despesas obrigatórias. É o que se depreende do início da discussão das leis orçamentárias que vão definir a despesa federal em 2023.

É um negócio que vai ter consequências políticas e econômicas ainda mais graves. Facilita corrupções e o emprego ainda mais ineficiente dos recursos orçamentários.

Essa seria a fatia do Orçamento destinada a bancar emendas parlamentares de execução obrigatória (o Executivo não pode dizer não, em geral). O relator do Orçamento, seu chefe e amigos, bancadas, comissões e parlamentares poderiam carimbar ainda mais dinheiro a ser usado em pequenas despesas picotadas, obras locais e até shows.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, chegando ao Congresso em 21 de junho de 2022 - Gabriela Biló /Folhapress

Os líderes da massa amorfa de parlamentares dessa geleia indistinta de partidos que faz a maioria do Congresso (70%?) teriam ainda mais poder distorcido, por assim dizer.

O poder sobre ainda mais dinheiro de emendas tende a criar mais vassalos dispostos a votar qualquer coisa —vai ser muito difícil que o Executivo consiga propor "agendas" que sejam levadas a sério, sem negócio.

Como já se pode ver, vota-se à matroca: de jabutis de interesse particularista à mera sabotagem de programas do Executivo. É contínua a ameaça subliminar de impeachments ou constrangimentos menores de qualquer autoridade dos Poderes, do Judiciário inclusive.

As tantas leis de responsabilidade e limites fiscais foram todas desmoralizadas: com uma emenda constitucional ou outro tipo de norma por quinzena, aprova-se qualquer gasto, sem qualquer plano, em tratoraços das madrugadas, em estelionato eleitoral explícito "hardcore". Aumenta o descrédito do governo (isto é, seu custo de financiamento).

É óbvio que o Congresso deve discutir prioridade orçamentária e chamar autoridades às falas. Mas não habitamos esse mundo das fadas republicanas. Presidentes de Câmara, grupos de líderes, seja qual for o comando da massa amorfa, querem mais poder de garantir sua reeleição financiando seus currais, para começar.

Dado que o Orçamento é cada vez mais engessado por despesas obrigatórias, diminui o poder político de convencimento do Executivo —por exemplo, por divisão de poder. Privatizações e, por ora, a Lei das Estatais limitam o acesso a fundos paraestatais, digamos. Resta o ataque a empresas como a Codevasf, uma agência de desenvolvimento do interior do centro-norte travestida de estatal, ou ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), não por acaso centros de escândalos de corrupção recentes.

Sobra ainda a captura cada vez maior de diretorias das agências reguladoras. As agências não têm cofre gordo, mas são lugar de oportunidade de barganhas com empresas.

O centrão propriamente dito, liderado pelos regentes de Jair Bolsonaro, quer aumentar seu poder em reação à ideia de Lula da Silva (PT) de limitar das emendas parlamentares. É outra evidência de onde mais e mais está o conflito político relevante da república degradada.

O dinheiro das emendas não parece muito: 40% de 5% equivale a 2% do Orçamento federal. Mas, como já se notou, a despesa do governo é quase toda engessada. O valor pago das emendas pode equivaler a três quartos da despesa de investimento, o que se gasta de fato em "obras", compras de equipamentos etc.

Esse Congresso amorfo, chefiado por gestores de butim, fica mais animado pela desmoralização e pelo enfraquecimento objetivo da Presidência da República. Torna-se mais independente pelo pior motivo. Vai pelo caminho de ser um agregado de partidos negocistas, associados em uma agência de chantagem.

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