Descrição de chapéu Folhajus petrobras

Entenda a Lei das Estatais, que blinda empresas de interferência

Sancionada em 2016, legislação limita a indicação de executivos

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São Paulo

A Lei das Estatais voltou ao centro do debate político após rumores de que o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode alterá-la para permitir nomeações políticas em empresas públicas.

A mudança era vista como um dos caminhos para, por exemplo, indicar Aloizio Mercadante para o comando do BNDES. O petista, porém, acabou sendo nomeado mesmo sem essa medida.

Nesta segunda, notícias sobre essa possibilidade de alterar a lei derrubaram a Bolsa e impulsionaram o dólar, com investidores receosos de uma abordagem mais intervencionista de Lula 3.

Por meio de sua assessoria, o ex-ministro afirma que sua nomeação não fere a lei. Em nota, diz que ocupa a presidência da Fundação Perseu Abramo, que não faz parte da estrutura decisória do PT, que não exerceu função remunerada na campanha de Lula, e que "limitou-se a colaborar para a elaboração do programa de governo, função esta não abarcada nas limitações da Lei das Estatais".

Antes, a legislação já foi alvo também do presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o mandatário tentou trocar o presidente da Petrobras por insatisfação com um reajuste de preços de combustíveis e seu impacto em suas pretensões eleitorais.

Na ocasião, membros do centrão defenderam a flexibilização da lei para facilitar trocas no comando da empresa.

A proposta também já foi defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já havia pedido mudanças na legislação após a última demissão feita por Bolsonaro, em abril. Na época, Lira afirmou que as regras estabelecidas foram feitas para travar a Petrobras.

Veja os principais pontos da lei.

Para que serve a Lei das Estatais?

A Lei de Responsabilidade das Estatais (13.303/2016), sancionada em 2016 pelo então presidente interino Michel Temer (MDB), foi aprovada em resposta a uma série de investigações que apontaram uso político das empresas em administrações anteriores.

O texto é amplo e versa sobre aspectos que vão desde o regime societário até a padronização de demonstrações financeiras e procedimentos para licitações.

No entanto, como o intuito era fortalecer a governança das estatais, as principais novidades dizem respeito aos mecanismos de blindagem contra ingerência política.

Como a Lei das Estatais trava as indicações do governo?

Na época da aprovação da lei, falava-se que um dos principais objetivos do projeto era a profissionalização da gestão das estatais. Por isso, foram criadas novas regras para a nomeação de diretores e conselheiros, proibindo a indicação de dirigentes partidários ou de políticos que tivessem disputado eleições nos 36 meses anteriores.

Outra exigência é que o escolhido tenha experiência de dez anos em cargos de empresas do setor ou quatro anos em companhias similares.

A lei ainda veda a indicação de ministros, secretários, parlamentares e representantes do órgão regulador ao qual a empresa está sujeita. Também é proibida a nomeação de pessoas que possam ter conflito de interesse, por exemplo, firmando contrato ou parceria com a estatal nos últimos três anos.

Para Danilo Gregório, gerente do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), os requisitos e vedações são a principal proteção contida na Lei das Estatais. Por esse motivo, ele acredita que a proposta de flexibilização esteja mirando exatamente essas regras.

Segundo ele, a legislação fechou a porta para indicações político-partidárias, mas, como qualquer norma, há espaço para brechas. "Pelo menos os casos mais graves foram impedidos, e isso é um avanço. Se não funcionasse, não haveria discussão", afirma.

Gregório ainda lembra que a Lei das Estatais foi um dos pilares para o credenciamento do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Ao defender mudanças, o governo estaria enviando sinais contraditórios ao resto do mundo.

Na visão de Bruno Duarte, especialista em direito público e regulatório do escritório Trench Rossi Watanabe, embora o texto impeça determinadas nomeações, é comum que as escolhas sejam feitas por natureza política. "Esse tipo de conexão sempre existiu e é natural que exista. [Afinal] é uma empresa controlada pelo governo", diz.

A diferença trazida pela Lei das Estatais, contudo, é que antes não havia critérios técnicos para que as indicações fossem feitas.

A quais sanções o governo está sujeito?

A Lei das Estatais diz que o acionista controlador deve preservar a independência do conselho de administração no exercício de suas funções. Embora não especifique sanções, o texto faz menção à Lei das Sociedades por Ações (6.404/1976), também conhecida como Lei das S/A.

Nela, é definido que quaisquer danos causados ou atos contrários à lei podem ser enquadrados como abuso de poder. Entre os atos citados está, por exemplo, eleger administrador inapto, moral ou tecnicamente.

Além disso, a Lei das S/A também prevê responsabilização para medidas que não tenham por fim o interesse econômico da companhia e visem a causar prejuízo aos acionistas minoritários.

Segundo Gregório, do IBGC, a Lei das Estatais não estabelece sanções caso o controlador infrinja alguma regra. A responsabilização, ele diz, depende da atuação de órgãos de fiscalização e controle —o que a torna mais vulnerável.

Contudo, no caso de uma indicação que não preencha os critérios legais, é possível que partidos políticos e outras partes interessadas peçam sua anulação.

Henrique Frizzo, especialista do Trench Rossi Watanabe, diz que também pode haver um processo administrativo interno para responsabilizar a autoridade que fez a nomeação. "Mas funcionaria igual qualquer violação de estatuto", afirma.

As estatais devem priorizar o interesse econômico?

A legislação ressalta que as companhias têm a função social de realização do interesse coletivo. Embora proteja os acionistas minoritários —especialmente na referência à Lei das S/A—, o texto não transforma as estatais em empresas com interesses particulares, como destaca Frizzo.

"Tratar uma estatal como se fosse uma empresa privada foge do regramento que temos e, inclusive, da sua própria razão de existência. Se é uma empresa sem nenhum interesse público ou social por trás, ela não deveria nem existir", diz.

Na visão de Natasha Salinas, professora da FGV Direito, uma estatal não pode, sob o pretexto de ser uma empresa pública, fugir de seu objeto econômico. "A estatal serve a dois senhores: serve ao mercado, mas também tem interesses sociais maiores", diz.


Lei das Estatais

Requisitos para indicação de diretores e membros do conselho de administração

  • Não ser inelegível

  • Ter formação acadêmica compatível com o cargo

É preciso ter experiência na área

Mínimo de dez anos na área de atuação da empresa ou pelo menos quatro anos ocupando cargos de:

  • a) direção ou chefia em empresa de porte ou objeto social semelhante

  • b) comissão ou confiança no setor público

  • c) docente ou pesquisador em áreas relacionadas

  • d) profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa

Restrições a nomeações

Perfis vetados para indicação de diretores e membros do conselho de admnistração

  1. Representantes de órgão regulador do setor

  2. Ministros e secretários de Estado e municípios

  3. Senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores (ainda que licenciados)

  4. Dirigentes de partidos políticos

  5. Funcionários de organizações sindicais

  6. Ocupantes de cargos superiores na administração pública que não sejam servidores concursados

  7. Contratantes ou contratados da controladora da empresa e pessoas com qualquer outro tipo de conflito de interesses

3 ANOS
é o tempo mínimo exigido para que o nomeado tenha deixado de exercer atividades em partido político ou em campanha eleitoral

25%
é a proporção de membros independentes que o conselho de administração deve ter

0,5%
é o limite máximo que as despesas com publicidade e patrocínio podem ultrapassar da receita do ano anterior


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