Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu forças armadas

Militares bolsonaristas projetavam golpe desde a escola de comando do Exército

Oficiais-superiores do Exército estudaram subversão e queriam tomar STF

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Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou certa vez que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. Disse tal coisa de modo fanfarrão e cafona, mas presciente —sabia com antecipação do que estava falando.

Em tom de quem pede para levar "umas brejas pro churras", o coronel Jean Lawand pediu ao "irmão" tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que convencesse o presidente das trevas a dar o golpe, em dezembro do ano passado, em troca de mensagens revelada pela revista "Veja". A conspiração golpista, porém, era maior e mais antiga.

Jair Bolsonaro conversa com Mauro Cid durante evento no Palácio do Planalto em 2019
Jair Bolsonaro conversa com Mauro Cid durante evento no Palácio do Planalto em 2019 - Adriano Machado - 18.jun.2019 / Reuters

Além de iletrado e vulgar, o apelo de Lawand parece pateta. Até mesmo Cid responde que Bolsonaro não daria o golpe por falta de confiança no Alto Comando do Exército.

Para quem lembra das quarteladas contra Juscelino Kubitschek (1956-1961), a história parece menos ridícula. Essas intentonas eram o resto do ressentimento pelo fracasso do golpe contra Getúlio Vargas, em 1954, e indícios do que viria em 1961 e 1964.

É um passado remoto? Então se pode lembrar do coronel Hugo Chávez. Caricato? Tudo bem. Então se leiam todos os documentos levantados pela Polícia Federal no celular de Cid.

Antes de ir aos textos, observe-se que Lawand e Cid estavam no caminho para o topo do generalato. Foram os melhores de suas turmas da Academia Militar das Agulhas Negras, o que dá preferência nas promoções iniciais, e tinham carreiras de destaque. Talvez estivessem no Alto Comando dos anos 2030 —em um país podre, talvez ainda cheguem lá. Cid também liderava uma quadrilha de militares falsários, a turma da vacina "fake", e cuidou da muamba das joias das arábias. Um palerma e um trambiqueiro. Mas armados.

Nos textos do celular de Cid se nota que o golpe era assunto de estudos de pelo menos uma turma do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército, de 2017, pós-graduação destinada a majores e tenentes-coronéis. A discussão parece continuar por anos, em textos de lógica capenga e de argumentos jurídicos torturados, com o objetivo de achar um fundamento da intervenção militar nos Poderes.

Existiria um caso, enfim concluem os luminares militares do direito, em que as Forças Armadas poderiam intervir sem a convocação dos Poderes. Provocado por uma espécie de arrazoado do presidente da República, o comando das Forças Armadas avaliaria a situação e poderia, por si, desencadear uma intervenção.

O debate culmina em 2022, com a redação de uma exposição presidencial de motivos para o estado de sítio e a intervenção militar. Entre tantas razões, o STF e o TSE teriam violado o "princípio constitucional da moralidade", requisito da legalidade.

O material exige análise extensa, que não cabe aqui. Mas deixa claro o projeto de se encontrar doutrina e pretexto para golpes. Quantos estavam envolvidos nesse projeto?

Os generais Augusto Heleno e Braga Netto, braços direito e direito de Bolsonaro, eram admiradores de Augusto Pinochet, ditador, genocida, falsário e ladrão. Os generais Villas Boas, inspirador da nova onda golpista, e Hamilton Mourão, ex-vice-presidente e ora senador, admiravam Olavo de Carvalho (1947-2022), um índice de inteligência e de apreço pela democracia, por assim dizer. Mas quantos golpistas haveria na ativa?

Luiz Inácio Lula da Silva herdou essa encrenca mortal de Michel Temer e Bolsonaro, entre outras. É preciso que os militares voltem a uma caserna limpa de golpismo (e, aliás, que o STF volte ao Judiciário e os parlamentares, que querem governar, ao Legislativo).

Lula tem administrado a nova questão militar com habilidade, mas o buraco fica mais para baixo. Uma reforma institucional profunda é necessária. Politicamente minoritário e com problema de tanta espécie, vai ser muito difícil.

Erramos: o texto foi alterado

O mandato de Juscelino Kubitschek foi de 1956 a 1961, e não de 1955 a 1960, como afirmava versão anterior deste texto. 
 

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